Nazareth, 100 anos

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Hoje escrevo afastado do monótono cotidiano: me volto para as razões do coração, relembrando minha gratidão eterna a Odylo Costa, filho, que me deu a felicidade de ser o meu melhor amigo — amizade esta que extrapolava para Nazareth, sua mulher, e seus filhos.

Odylo foi o maior jornalista do seu tempo. Ele não se esgotou no que escrevia, mas modernizou o conteúdo e a forma da imprensa, quando editou o Jornal do Brasil e promoveu uma revolução que logo viralizou (para usar uma expressão de hoje), como com Pompeu de Souza, no Diário Carioca.

Odylo não era uma só pessoa, mas duas almas que se completavam: ele e Nazareth. Tanto que em São Luís, capital do Maranhão, sua terra natal, havia uma velha e tradicional rua chamada Rua de Nazareth. A Câmara Municipal mudou esse nome, pois percebeu que algo estava errado, e passou sua denominação para Rua de Nazareth e Odylo. Eram dois, mas apenas um.

Odylo e Nazareth tiveram o último salão cultural do Rio de Janeiro, em Santa Teresa, numa casa que era tranquila como o casal. Um jardim de entrada, uma longa escada sobre o acesso à sala e um quintal de bichos que o casal trazia do Maranhão e do Piauí — Nazareth era de Campo Maior, interior do Piauí —, inclusive uma araponga, que gerou um abaixo-assinado de protesto dos moradores de Santa Teresa, porque esse pássaro tem o canto de uma badalada de sino tão forte que é capaz de acordar qualquer um.

Mas o que eu quero registrar é que Nazareth completaria neste 22 de outubro seu centenário de nascimento, e eu não podia deixar de lembrá-la e homenageá-la nesta data.

A história do casamento de Odylo é a história de um milagre. Ele assistia a um desfile da Escola Normal de Teresina, viu uma bela moça comandando o desfile e disse: “Vou me casar com essa moça.” E saiu à sua procura. Encontrou-a, mas ela recusou a proposta de casamento. Odylo fez versos por seis meses e tanto insistiu que realizou o seu amor e destino. Nazareth deu-lhe nove filhos e uma vida em que a fé, a religião, o amor e a bondade foram o barro da união.

Nazareth logo mostrou suas qualidades: doçura, bondade, temperança, delicadeza, afabilidade e santidade. Isto era sem dúvida o que ela transpirava no seu modo de receber, de tratar as pessoas, de viver. O destino de Nazareth-Odylo lhes reservou uma família de felicidade — uma bela família! —, mas com dois golpes que dilaceraram sua alma: o filho mais velho, Odylinho, brilhante, bonito, de qualidades e personalidade inconfundíveis, foi assassinado por um menor de rua ao defender a namorada, o que marcou sua casa e toda a população do Rio de Janeiro, todos solidários a eles. Odylo perdoou o assassino e dedicou o resto de sua vida a defender os menores abandonados. A bondade dele e de Nazareth era infinita.

Quando, no Maranhão, eu soube da tragédia, tomei o primeiro avião e já encontrei Nazareth e Odylo no cemitério. Ele me abraçou, e, num choro convulsivo, Odylo me disse: “Deus quer, Deus quis, Deus seja louvado.”

Outro fato que marcou sua vida foi que sua filha Maria Aurora nasceu com deficiência e nunca pôde sair de seu berço de sofrimento, mas sempre com um sorriso de doçura e felicidade que comovia a todos nós. Odylo e Nazareth nunca a esconderam: nas recepções e reuniões em sua casa, Maria Aurora sempre estava presente e de tudo participava na sua solidão e dormência. Eu a amava como amei a todos os seus irmãos. Nazareth e Odylo incorporaram também a sua vida a luta pelos deficientes, luta esta herdada por sua filha Teresa — a querida Teresa, que com Pedro Costa são os mais ligados a mim, com um sentimento filial.

Já disse o quanto brilhava a casa de Odylo, por onde passavam todos os grandes intelectuais, nomes indeléveis de nossa cultura: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Afonso Arinos, Peregrino Júnior, Osório Borba, Eneida, Pedro Nava, José Olympio, Zélia e Jorge Amado, Djanira, Carlos Chagas, Rachel de Queiroz, Caio Tácito…

Depois da morte de Odylinho, o talento oculto de Nazareth explodiu numa pintura tão suave, tão lírica, que era a poesia de Odylo em cores e luzes: Nazareth pintava anjos, crianças e bichos com uma beleza e uma mensagem de amor e uma simplicidade do Céu, e logo se tornou uma artista festejada e reconhecida como da família dos grandes pintores. E ela conseguiu que a sua figura de santa, marcada pelo amor e pela bondade, fosse expressa numa linguagem diferente.

Passou a fazer exposições no Brasil e no exterior, bem recepcionada pela crítica, como a de Drummond, que disse: “Entrevistei os anjos: foram unânimes. Indaguei das crianças: confirmaram. Gostamos que Nazareth Costa nos desenhe.”

Seus anjos nos lembram os famosos anjos arcabuzeiros do Potosí, na sua beleza: se estes são ricos, os anjos de Nazareth são pobres — mas são santos.

São 100 anos de Nazareth. Uma das melhores criaturas que Deus colocou em nossa Terra. Em minha casa, ela é Santa de Altar.

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