Mato Grosso não deve apostar tudo na Ferrogrão
Nosso estado já conta com um projeto ferroviário mais equilibrado, capaz de aumentar a eficiência da exportação do agronegócio e estimular o desenvolvimento industrial. Mas o governo federal prioriza um plano com potencial de estragos ambientais e estruturais irreversíveis para o nosso Mato Grosso.
Em 15 de dezembro, a 106ª sessão plenária do Senado Federal colocou em pauta o que pretende ser o novo marco para o transporte ferroviário no Brasil, o famoso Projeto de Lei do Senado (PLS) no 261 que surgiu para viabilizar um projeto de duvidosa viabilidade de ser concedido pela União. A apreciação do projeto de lei acabou sendo adiada a meu pedido porque o tema merece profunda discussão nas Comissões de Infraestrutura e de Constituição e Justiça. Afinal, o modal ferroviário merece atenção redobrada do Congresso para que os avanços dos últimos anos com bilhões de reais em investimentos não se percam para que o Ministério da Infraestrutura (Minfra) viabilize a fórceps um projeto sobre o qual falta clareza, batizado com o marketeiro nome de Ferrogrão, denominação apropriada porque ela se destina a transportar exclusivamente grãos para exportação e estará isolada da malha ferroviária nacional, como se o Mato Grosso não fizesse parte do Brasil.
O PLS 261 pode até ser um novo marco regulatório do setor, mas corre o risco de atender um único projeto. Isso será um equívoco que nos fará dar alguns passos para trás na logística nacional. E digo mais: os meus colegas senadores também manifestaram preocupação com outros projetos ferroviários pendentes de solução em diversos estados e, por isso, me apoiaram no pedido de adiamento da sua apreciação no Plenário.
Repito o que eu disse no Plenário: o Governo Federal quer colocar em um “mesmo balaio” a Ferrogrão e a extensão da Ferronorte. São coisas diferentes, como diferente foi o caso da FICO – Ferrovia de Integração Centro Oeste que será construída pela empresa Vale e entregue à leilão quando estiver pronta. Ninguém condicionou a construção da FICO ao leilão da Ferrogrão. Por que fazer isso com o projeto de extensão da Ferronorte que já tem contrato de concessão assinado e só precisa de uma autorização da ANTT?
A Ferrogrão é inviável se a Ferronorte chegar no Nortão? Vale a pena o Minfra comprometer a reputação de todos os projetos de infraestrutura para tentar vender aos fundos árabes e chineses que a Ferronorte nunca chegará à Cuiabá e ao Nortão? E que a Ferrogrão será o bastião salvador do agronegócio mato-grossense? Situação esquisita que fui obrigado a denunciar no Plenário do Senado da República para salvar o Mato Grosso de uma cilada.
Há tempos o agronegócio é o trunfo econômico do Mato Grosso e, por extensão, do Brasil. A atual cadeia logística já funciona bem por conta de investimentos privados realizados nos últimos anos que permitiram a consolidação de grandes corredores logísticos intermodais que ligam via trilhos o Centro-Oeste ao Porto de Santos (SP). E é pela ferrovia que nosso estado deve seguir crescendo com a sua chegada à região da Baixada Cuiabana, apesar da insistência obscura do Minfra em mover mundos e fundos pela Ferrogrão, repito uma cilada que pretende escravizar o Mato Grosso evitando que se desenvolva além das fazendas. De fato, a Ferrogrão tem potencial para barrar o desenvolvimento econômico da Baixada Cuiabana e do médio-norte mato-grossense se a atual postura do Minfra se mantiver, além de promover uma destruição sem precedentes da Floresta Amazônica e de povos indígenas levando ao fechamento de mercados como o europeu que foram conquistados com muito sacrifício. E quem lucra com isso? As tradings e não os agricultores que serão escravizados.
E a Ferronorte? É a ferrovia que promove o “desenvolvimento social e econômico e a integração nacional” do Mato Grosso, exatamente um dos objetivos essenciais do Sistema Nacional de Viação (Lei 10.233/01) e que esta sendo esquecido pelo Minfra, saindo de Rondonópolis (MT) e se conectando ao maior centro consumidor brasileiro que é o estado de São Paulo, além é claro de acabar no Porto de Santos, que é a principal porta de entrada e saída de produtos do Brasil. E já existe um projeto que permitirá que essa ferrovia mato-grossense se estenda até a região norte do estado, passando por Cuiabá. Trata-se de um projeto concreto que vai trazer finalmente à região da Baixada Cuiabana um terminal capaz de trabalhar com produtos e mercadorias vindo e indo em contêineres pela ferrovia. Já foi identificada uma demanda pelo transporte para nossa capital de 20 milhões de toneladas de produtos industrializados, combustíveis, cimento e outros produtos oriundos da região Sudeste. Temos 14 municípios na Baixada Cuiabana, onde vivem mais de 1 milhão de pessoas. Só a região metropolitana de São Paulo possui mais de 21 milhões de pessoas. Visualizo uma explosão de oportunidades para o setor industrial do Mato Grosso. Continuaremos crescendo a taxas chinesas e sem cairmos na cilada de dependermos somente de exportação de grãos.
O que podemos esperar se os trilhos da Ferronorte, a partir de Cuiabá, se conectarem ao Nortão, chegando perto de Lucas do Rio Verde (MT)? Uma projeção do Insper Agro Global mostra que as exportações agrícolas devem chegar a US$ 100,4 bilhões neste ano, 3,5% a mais do que em 2019. A soja, principal commodity exportada, deve atingir embarques próximos a US$ 35 bilhões em 2020, 8% acima do registrado no ano passado.
E Mato Grosso é protagonista nesse cenário. Projeta-se um crescimento de 8% na produção e de 5% na exportação de milho, e de 5% na exportação de soja para 2021 (a produção não se altera), segundo dados de consultorias de mercado. Além disso, mais de 60% da safra de soja de 2021 do nosso estado já estava comercializada antes de dezembro, mês que tradicionalmente dá início às vendas do ano seguinte.
Diante de tantas evidências dos benefícios da extensão da Ferronorte, o Minfra só tem olhos para a Ferrogrão, cuja existência depende de conseguir recursos junto a fundos estrangeiros para tentar viabilizar uma concessão ou uma autorização se o PLS 261 foi aprovado sem severa e fundamental discussão. É uma aberração! Em menos de um mês, duas notícias ligadas ao projeto vieram público. Primeiro, o Minfra anunciou que vai reservar dinheiro e outorgas da Vale para os investidores estrangeiros utilizarem quando vierem “riscos não gerenciáveis”, ambientais e/ou fundiários. Dinheiro público para destinar a uma concessionária privada!
A segunda notícia preocupante vem do Ministério Público Federal (MPF), que acusa o governo federal de ter selecionado, sem nenhum procedimento público, um único líder indígena para decidir em nome da enorme nação Munduruku que indiscutivelmente será impactada pela Ferrogrão. Para o MPF, a atitude dos representantes do Executivo é uma tentativa de aliciamento ilegal da comunidade indígena. Detalhe nada desprezível: foi o próprio Anderson Painhum, que representa a Associação Pariri, quem denunciou ao MPF a pressão que vinha sofrendo.
As cartas estão à mesa para a opinião pública. Como representante do estado de Mato Grosso, não posso me calar diante de um descalabro que põe em risco o desenvolvimento sustentável regional, prejudica o potencial do agronegócio e ameaça um patrimônio da Humanidade que é a Amazônia. É preciso equilíbrio na hora de priorizar projetos de infraestrutura, que promovem impactos a longo prazo em nossa sociedade e no meio ambiente.