Mário Grieco, o curso Aifa e outras histórias

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Foi-se desta vez o colega Mário Grieco. Conheci-o pouco. Diferente do irmão Alfredo que, ele sim, conheci melhor e que abandonou precocemente a carreira. A notícia do falecimento do Mário me fez recordar o Alfredo e o tempo em que eu primeiro topei com ele.

Longa história. Uma vez nos anos 60, um colega de turma do Clássico do Colégio Franco-Brasileiro me convidou à sua casa. Lá conheci seu irmão diplomata, o primeiro ser dessa estirpe que encontrei, desse universo que eu iria, por caminhos transversos, a habitar no futuro. Servia na Europa e estava de férias. Família reunida ao seu redor para ouvir suas peripécias e relatos de suas viagens pelo Velho Mundo e ver com enorme curiosidade um álbum de fotos. Fiquei fascinado com tudo, com a vida que aquele moço levava, especialmente com as imagens da paisagens e ruas cobertas daquele manto branco, a neve.

Acho que quero isso para mim, terei pensado.

Obscuro e insipiente, em deslumbrado processo de aculturação ao ambiente da época no Rio, eu nunca tinha antes ouvido falar em diplomacia e carreira diplomática.

Mas tinha sido picado por aquela mosca azul e passei um tempo matutando. Um dia ouvi falar no Curso Alfa, que preparava candidatos ao exame para o vestibular à carreira de diplomata. Parece que era uma joint-venture do diplomata /deputado Álvaro Vale, com os professores André  Selon, Manuel Maurício e Clovis Dottori. Apurei que ficava ali na Rua das Palmeiras, próximo da rua Voluntários da Pátria, em Botafogo. O curso era noturno, . aulas das 19:00 às 22:00 horas, me lembra o Oswaldo Portela. Curioso, ocorreu-me ir lá conhecer o curso. E assim o fiz. Cheguei lá no início da noite, horário também do começo das aulas.

O rapaz da secretaria deu-me todas as informações, inclusive o valor da mensalidade. E, simpático, perguntou-me se eu não gostava de assistir uma aula. E lá fui eu, tímido e silencioso, sentar-me ao fundo da sala, o que não impediu que, em dado momento na aula de Francês o Professor André Selon me tirasse do anonimato. Tendo como base um texto sobre mares e oceanos, Selon elaborava sobre o vocabulário pertinente em francês. Falou em “profondeur abyssale”. E de repente perguntou se alguém conhecia outro termo em francês relacionado com as zonas profundas dos mares. Silêncio. Ninguém arriscou um palpite. Tomei coragem, levantei o dedo lá atrás e disparei:

– Pélagique?

Ato contínuo, todos se voltaram para trás para ver de onde vinha aquela voz. O Professor Selon brindou-me com um “bravo” e perguntou meu nome. E eu ganhei súbita e inesperada notoriedade.  Dali a pouco, no fim da aula, me encontrei em franca prosa com aqueles rapazes e moças, que eu achava tão cultos e que falavam uma linguagem diferente e interessante, muitos deles filhos de diplomatas.

Lembro-me do Alfredo Grieco, muito exuberante e falante e que me pareceu extremamente inteligente. Outros da mesma turma também me impressionaram. Uma moça me chamou a atenção pela beleza. Anos depois ela seria minha colega Vera Machado.

Conversamos e nos despedimos. Fui ainda uma vez ou outra ao Curso, sempre como, digamos, “ouvinte”.  Assisti uma aula fantástica do Manoel Maurício, um jeito diferente de ensinar (e aprender) História. Fiquei de voltar, mas nunca mais pus os pés no Curso Alfa. Talvez porque não quisesse trazer encargos financeiros ao meu pai.

Tempos depois comecei a trabalhar no escritório de traduções do Dr. Agostinho José Dias da Silva no edifício de esquina da Presidente Vargas e Uruguaiana e já podia pagar as aulas. Mas nessa altura o Curso Alfa estava em crise, em processo de desativação e a alternativa passou a ser as aulas particulares.

Enquanto isso, fiz o concurso para Oficial de Chancelaria. Como tal, trabalhando na Divisão do Pessoal, requeri ao meu Chefe um mês de afastamento/licença para estudar para o concurso à carreira. O chefe era o Raul Fernando Leite Ribeiro. Ele deu o seguinte despacho:

– Autorizado, nos dias de provas

Aí eu desisti e resolver seguir como OfChan e fui pro Exterior (Embaixada em Oslo). Anos depois, em grande reviravolta na minha vida, voltei correndo e envolvi-me de novo na aventura de fazer o concurso para a carreira. Uma aventura, decerto.

Shit happens. O inesperado também. Fui aprovado aos 30 anos, minha última chance.

Mas isso é uma história, já escrita, e que qualquer dia desses darei a conhecer – se tiverem interesse e paciência.

Hoje o dia é de prantear a  partida do Mário Grieco.

Dante Coelho de Lima é diplomata.

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