Loucas cartas

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A conta é do IDESP, um respeitado instituto de pesquisas de São Paulo: se a eficiência do sistema judicial brasileiro fosse elevada aos padrões dos países mais desenvolvidos o volume de investimentos aumentaria 10,4%, a produção seria elevada em 13,7% e a oferta de empregos seria 9,4% maior que a atual. Assim, a lentidão da Justiça é um problema nacional dos mais sérios.

Diante deste quadro fico a pensar em um meu amigo, Juiz de Direito, que responde por duas pequenas Comarcas do interior, distantes uns 12 quilômetros uma da outra.

A curta distância permite um bom atendimento às duas Comarcas – um dia em uma, outro dia em outra e assim por diante.

Pois bem: dia desses, examinando um processo, precisou ele de uma dada informação sobre um outro que tramitava na Comarca vizinha, pela qual – lembre-se – ele também era responsável.

Qualquer pessoa razoável diria: “basta pegar a informação quando ele estiver atendendo na outra Comarca”. Nada mais errado – nossas leis não permitem que ele simplesmente apanhe a informação de que necessita.

Assim, ele redigiu uma carta a si próprio, solicitando que informasse algo a ele mesmo. Pessoa educada, encerrou-a agradecendo a atenção que decerto ele dispensaria a si próprio, prometendo estar sempre à disposição dele mesmo quando dele ele precisasse.

Esta carta foi, então, remetida à Comarca vizinha. Alguns dias depois meu amigo recebeu-a, leu-a e imediatamente preparou a resposta da solicitação que ele havia feito a si próprio.

Nesta resposta, sempre educadamente, formula votos de que ele esteja satisfeito com a resposta que dera para si próprio, coloca-se uma vez mais à disposição dele mesmo para quaisquer dúvidas que ele próprio tenha, e até conclui enviando as mais cordiais saudações e um grande abraço dele para ele mesmo.

Passados alguns dias chegou à sua mesa a resposta do pedido de informações que ele havia remetido para si próprio, e que ele respondeu para ele mesmo com tanta distinção.

Finalmente, após ler a resposta que ele fizera à carta que ele mesmo enviara para si próprio, determinou que fosse tudo anexado ao processo.

Assim pelo Brasil afora. Diante da virtualização do sistema judicial humildemente pergunto: adianta substituir uma carta dessas por um e-mail para si próprio? Adianta digitalizar o atraso?

Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

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