Hidrogênio: desafios para implantação

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O Brasil vive uma euforia com demonstrações na mídia tanto de políticos como de agentes do setor industrial e do setor elétrico trazendo para a opinião pública esperança de que a produção de hidrogênio verde (H2v) será a redenção do Nordeste.

Propagam que o H2v representa o combustível do futuro e a alavanca da modernização da indústria nacional.

Que bom se isso pudesse realmente se materializar. Porém a realidade é diferente. Além do desafio de produzir H2v a preços competitivos, estes agentes parecem esquecer que para usar o H2v depois de produzido ele necessita ser armazenado e transportado. Neste artigo vamos nos concentrar nesses dois aspectos.

A produção de H2v exige grande consumo de água (mais do que 10 Kg de água por Kg de H2v), de eletricidade de origem totalmente renovável (55 KWh por Kg de H2v) e capital para investir. E para poder competir com outras formas de hidrogênio necessita chegar no mercado a um preço menor do que 1,5 US$/Kg.

Entretanto relatório disponível no site do Departamento de Energia dos EUA[1] indica que o hidrogênio produzido a partir de eletrolisadores de membrana eletrolítica polimérica (PEM) resulta um custo de US$5 a 6/kg-H2, assumindo a tecnologia existente, custos de capital para eletrolisadores de baixo volume de até US$ 1.500/kW, e preços de eletricidade de origem renovável entre US$ 0,05/kWh a US$ 0,07/kWh.

 

Outro número interessante é o investimento necessário. Um exemplo indica que além do investimento na geração de eletricidade a estimativa de investimento na planta de produção de hidrogênio por eletrólise para produzir 10 milhões de toneladas anuais (6% da demanda mundial em 2030) seria de 12 bilhões de dólares.

 

Portanto, esses números dão uma ideia do desafio. Caso o Brasil queira ter essa participação de mercado (6% do mercado mundial) teria que produzir 10 milhões de toneladas anuais de H2v o que (a 55 kWh/kg) exigiria produzir, apenas para H2v, 550,000 GWh/ano de eletricidade de origem renovável, ou seja, 70% de toda a geração ocorrida no Brasil em 2023.

 

Para tal, anuncia-se financiamentos do BNDES a juros baixos (subsidiados pelo contribuinte naturalmente), incentivos fiscais (também nas costas do contribuinte) e tarifa de eletricidade baixa (nas costas dos consumidores). Uma vez materializados esses benefícios e produzido o H2v teríamos que ter mercado para seu uso, doméstico ou para exportação.

 

Os promotores do H2v indicam que no mercado doméstico poderíamos usar o H2v como matéria prima para a produção de amônia para fertilizantes, como reserva de energia, na siderurgia, na fabricação de cimentos. E para exportação, indicam potenciais compradores na Europa.

 

Em qualquer desses usos, armazenamento de H2v será necessário. Além disso, será necessário, para uso no mercado doméstico, ou ter-se infraestrutura de transporte ou localizar o uso e a produção de H2v na mesma localidade. Para exportação, o transporte marítimo será indispensável, além de armazenamento e transporte terrestre.

 

Armazenamento:

O hidrogênio pode ser armazenado fisicamente como gás ou líquido. O armazenamento de hidrogênio como gás normalmente requer tanques de alta pressão (350–700 bar). O armazenamento de hidrogênio na forma líquida requer temperaturas criogênicas porque o ponto de ebulição do hidrogênio à pressão de uma atmosfera é de -252,8°C.

 

O hidrogênio tem a maior quantidade de energia por massa entre todos os combustíveis; no entanto, sua baixa densidade resulta em baixa energia por unidade de volume. Isto diferencia a capacidade de energia de armazenamento de H2v na forma líquida e gasosa.

 

As opções de armazenamento na forma gasosa, atualmente disponíveis, normalmente requerem sistemas de grande volume de armazenagem. Para tal é necessário existir cavernas ou poços de petróleo desativados perto do local de produção de H2v. O armazenamento de hidrogênio na forma gasosa com alta densidade exige, portanto, o desenvolvimento de métodos avançados de armazenamento que tenham potencial para aumentar a densidade de energia armazenada, o que, continua a ser um desafio significativo.

 

O caminho de armazenamento atual concentra-se no armazenamento de baixo volume com o gás comprimido, utilizando vasos de pressão avançados feitos de compósitos reforçados com fibra que são capazes de atingir 700 bar de pressão. A compressão consome energia resultando em perda de 15% do conteúdo energético do H2v. O caminho de longo prazo concentra-se em desenvolver tecnologia para armazenamento de hidrogênio frio ou criocomprimido, onde o aumento da densidade do hidrogênio e vasos de pressão isolados poderiam permitir redução de custos. A criogenia adicionada a compressão ainda aumenta consideravelmente as perdas de conteúdo energético do H2v.

 

O armazenamento de H2 na forma líquida realmente permite aumentar consideravelmente a quantidade de energia armazenada. Para dar uma ideia da diferença basta comparar que um metro cúbico de H2 na forma gasosa pesa 0,0898 kg e na forma líquida 70,78 kg portanto muito mais energia por metro cúbico. No entanto, liquefazer o H2 consome bastante energia.

 

Para termos hidrogênio líquido, ele deve ser resfriado a temperaturas criogênicas por meio de um processo de liquefação. O hidrogênio gasoso é liquefeito resfriando-o abaixo de -252,8°C. Uma vez liquefeito, o hidrogênio pode ser armazenado em grandes tanques isolados. É necessária energia para liquefazer o hidrogênio – utilizando a tecnologia atual, a liquefação consome mais de 30% do conteúdo energético do hidrogênio e é dispendiosa.

 

Além disso, alguma quantidade de hidrogênio armazenado será perdida através da evaporação, ou “ebulição” do hidrogênio liquefeito, especialmente quando se utilizam tanques pequenos com grande relação superfície-volume. Pesquisa para melhorar a tecnologia de liquefação, bem como melhores economias de escala, ainda se faz necessária para ajudar a reduzir a energia necessária e os custos. Especialistas indicam que essas perdas podem alcançar 1% do volume armazenado por dia.

 

Transporte:

O local onde o hidrogênio é produzido pode representar um grande impacto no custo do produto e no melhor método de entrega. Uma infraestrutura viável para o transporte exige que o hidrogênio possa ser entregue desde o local onde é produzido até ao ponto de utilização final. Além das instalações de armazenamento, essa infraestrutura deve incluir: (a) compressores e gasodutos, para transporte de gás; (b) plantas de liquefação, caminhões e embarcações especiais, para transporte de líquido.

O hidrogênio gasoso pode ser transportado através de gasodutos da mesma forma como hoje é feito para o gás natural. Os elevados custos de capital inicial para construção de novos gasodutos constituem uma barreira importante à expansão da infraestrutura de transporte. A conversão dos gasodutos de gás natural existentes para transportar hidrogênio puro não é simples e pode exigir modificações bastante substanciais.

Atualmente as pesquisas existentes concentram-se na tecnologia da fabricação desses gasodutos considerando: (a) a característica que o hidrogénio tem para fragilizar o aço e as soldas utilizadas nos gasodutos; (b) a necessidade de controlar as perdas e permeação de hidrogênio nas paredes do duto; (c) a necessidade de uma tecnologia de compressão de hidrogênio de menor custo, mais confiável e mais durável.

Os principais desafios para o transporte de hidrogênio gasoso, portanto, incluem a redução de custos, o aumento da eficiência energética, a manutenção da pureza do hidrogênio e a minimização das fugas (perdas) de hidrogênio.

O uso do hidrogênio líquido para seu transporte é mais comumente feito quando é necessário transporte de grande volume e quando não é possível o uso de dutos, como para exportação. Nesse caso, três portadores de energia que podem tornar esse transporte possível são o próprio hidrogênio líquido, a amônia, e o portador de hidrogênio orgânico líquido (LOHC). Todos esses três métodos estão atualmente sob extensa investigação e todos os três métodos têm prós e contra.

Transporte na Forma Líquida: Para transformar o hidrogênio gasoso em hidrogênio líquido, o gás é resfriado a uma temperatura de -252,8 °C. Pode então ser transportado e armazenado na forma líquida, desde que esteja muito bem isolado. Perde a forma líquida e torna-se gasoso novamente quando aquece. Após transporte ou armazenamento temporário, o hidrogênio líquido pode tornar-se gasoso novamente com um evaporador.

 

A vantagem significativa do hidrogênio líquido como meio de transporte em relação aos outros dois meios é que o hidrogênio não necessita ser transformado em nenhuma outra substância. O hidrogênio na forma líquida ainda é hidrogênio; apenas muda sua aparência. Consequentemente, não são necessárias reações químicas e etapas adicionais de purificação; assim, o hidrogênio mantém a sua qualidade ideal.

 

Infelizmente, o hidrogênio líquido também tem desvantagens como transportador de energia. Por exemplo, o resfriamento consome muita energia (30% do conteúdo energético) e é necessário um isolamento no veículo transportador de qualidade superior para manter a temperatura extremamente baixa. Além disso, uma pequena quantidade de gás evaporado não pode ser evitada.

Transporte como Amônia: A amônia como transportador de energia para o hidrogênio é produzida através da síntese de amônia. Este processo químico permite que o hidrogênio e o nitrogênio reajam, criando amônia líquida. Este líquido é armazenado em tanques o que facilita o transporte. Quando a amônia chega ao seu destino, ela é decomposta (“crackeada”) em seus componentes, liberando hidrogênio e nitrogênio. Depois que o hidrogênio for purificado, ele estará pronto para uso. Alternativamente a amônia pode servir para uso final, como na produção de fertilizantes.

O transporte de hidrogênio utilizando amônia tem diversas vantagens. Por exemplo, a amônia tem sido utilizada em diversas indústrias há muito tempo e a infraestrutura para a síntese de amônia é abundante. Além disso, a amônia pode ser armazenada em tanques levemente refrigerados ou em temperatura ambiente sob pressão. Isto torna o armazenamento e o transporte de amônia relativamente simples e acessíveis.

Infelizmente, a amônia também tem desvantagens. Embora as infraestruturas para a produção de amônia já existam, o processo de cracking para obter hidrogênio, ainda é relativamente novo e não é eficiente em termos energéticos. Além disso, após o craqueamento, são necessárias etapas adicionais para purificar o hidrogênio para uso. Assim, requerem energia e custo.

Por último, a amônia é uma substância tóxica que, em caso de fuga, pode ter um impacto negativo na qualidade do ar, do solo e da água, bem como na saúde das pessoas que vivem nas proximidades. Devido às consequências potencialmente graves, é questionável até que ponto o armazenamento e transporte de amônia é uma opção justificável.

Transporte por transportador de hidrogênio orgânico líquido (LOHC): LOHC é um líquido capaz de absorver e depois liberar hidrogênio por meio de uma reação química. Para absorver o hidrogênio o LOHC é colocado em contato com o hidrogênio através de uma reação de hidrogenação.

A absorção do H2v é uma reação química que ocorre sob pressão (30 a 50 bar) e temperatura elevada (150 – 200 °C) e com a presença de um catalisador. O LOHC, depois de absorver o hidrogênio, pode simplesmente ser armazenado e/ou transportado em condições atmosféricas. Ao fim do transporte, o LOHC deve ser desidrogenado. Este processo também requer um aumento de temperatura (250 a 300 °C) e um catalisador. Portanto, esse processo consome bastante energia, resultando em 30% de perda do conteúdo energético do H2v.

Toda essa estrutura de transporte para o caso de exportação representa elevado custo. Artigo recente publicado no International Journal of Hydrogen Energy indica que o transporte de H2v liquefeito da Austrália para a Coreia do Sul resulta em preço final do H2v de 30,21 US$/kg.

Resumo:

Realmente existe grande otimismo e interesse pela produção do H2v no Brasil, em especial no Nordeste devido ao grande potencial de geração eólica e fotovoltaica. Porém, outros aspectos devem ser considerados e, no caso do Nordeste, especialmente o uso da água. Além do desafio de produzir H2v a preços competitivos, estes agentes parecem esquecer que para usar o hidrogênio verde depois de produzido ele necessita ser armazenado e transportado

Importante também, principalmente antes de fazer-se compromissos de benefícios a futuros investimentos considerar o real comprometimento desses investidores considerando que tanto para o mercado nacional, mas principalmente para exportação, o desafio técnico e econômico de armazenamento e transporte existe e deve ser quantificado. Mesmo que consigamos produzir H2v a preços competitivos o preço final de venda terá que incluir armazenamento e transporte, setores que também enfrentam graves desafios técnicos e de custo.

Armando Ribeiro de Araujo é Engenheiro Eletricista com Mestrado e Doutorado, foi Diretor de Procurement Policy do Banco Mundial, Secretário Nacional de Energia do Ministério de Infraestrutura, Presidente da Eletronorte, Membro do Conselho de Administração de Itaipu, Furnas, Chesf e Eletronorte. Atualmente presta serviços de Consultoria.

[1] https://www.hydrogen.energy.gov/docs/hydrogenprogramlibraries/pdfs/20004-cost-electrolytic-hydrogen-production.pdf?Status=Master

 

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