Pedro Luiz Rodrigues

Faltou cara ao manifesto dos diplomatas

Anonimato não é caminho para se expressar dissidência

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O denunciante anônimo é protegido pelas normas jurídicas brasileiras, por ajudar a identificar autores de crimes que de outra maneira permaneceriam impunes. Cabe à autoridade a apurar os fatos e se as diligências confirmarem a denúncia, torna-se irrelevante o  anonimato.

No caso de manifestos ou outros documentos que expressam opinião ou pontos-de-vista sobre pessoas ou temas, a questão é diferente. A ausência de autoria retira-lhes eficácia, destituindo-os de valor legal e mesmo moral.

A esse respeito, a Constituição Federal de 1988 é explícita, dispondo em seu artigo 5º, IV que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. O veto constitucional ao anonimato busca, observam os juristas, impedir a consumação de abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento.

Como jornalista que assina artigos – por cujo conteúdo respondo integralmente -, tenho uma certa desconfiança originária em relação a documentos como o “Manifesto” que diplomatas não identificados fizeram chegar à imprensa há alguns dias, duramente crítico ao Embaixador Ernesto Araújo, futuro chanceler do governo Jair Bolsonaro.

Não conheço o futuro Chanceler e não escrevo por procuração ou temor. É que tenho uma antipatia figadal por quem não tem coragem suficiente para expor suas idéias, preferindo ocultar-se no anonimato para disparar críticas acerbas ou promover ataques contra quem quer que seja.

Nos anos do PT não só me desliguei do Itamaraty  – para não ter de trabalhar sob o comando de quem me pareceu excessivamente subserviente aos comandos do partido -, como escrevi artigos, devidamente assinados, com críticas nem sempre suaves a Marco Aurélio Garcia e aos chanceleres dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Quando um funcionário público de carreira do Estado decide discordar publicamente do rumo do comando da Casa a que pertence, há caminhos para fazê-lo, como os que são abertos no Congresso e pela imprensa. Documentos apócrifos, por mais benévolos que sejamos ao lê-los, são a pior coisa, são como “fake opinions”, execráveis, quando não covardes.

Os autores apócrifos (sic) desse manifesto confessaram sua total surpresa com o conjunto de declarações ou escritos “do eventual futuro chefe da diplomacia brasileira” por não condizerem com o que “acreditamos (quem?), deva ser uma diplomacia correta, consensual, isenta de intromissões religiosas, desprovida de desvios políticos e de preconceitos ideológicos.

Ora, como teria ganho o Brasil se os que se associaram (quantos são? Dois, cinco, cinquenta, duzentos?)  com esse texto tivessem tido, na época, a disposição e a coragem de discordar da condução canhestra com que foi conduzida nossa diplomacia, que nada teve de correta, de consensual, nem foi desprovida de desvios políticos e de preconceitos ideológicos.

Não justifiquem o fato de não assinarem a declaração com a convicção de que poderiam sofrer “retaliações indevidas” no exercício de sua funções, “algumas destas em nível de chefia, em diversos escalões”.

Vençam esse medo, tenham coragem. Se lhes faltar espaço, de um ou de outro lado, terei prazer de ceder o desta coluna, desde que para textos devidamente identificados.

 

Pedro Luiz Rodrigues, diplomata e jornalista. 

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