De problemas na fronteira

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O ano era 1993. Há 31 anos. Um domingo de sol em Caracas. Eu Encarregado de Negócios. O Embaixador Renato Guimarães tinha partido e o seu substituto, Clodoaldo Hugueney, ainda não tinha assumido.
Botei meu “running gear” de rigor, embarquei no meu velho Monza e desci da Alta Florida onde eu morava. Passei antes na Chancelaria da Embaixada, onde o diligente colega Roberto Abdala cumpria o mister de secretário de plantão. Folheei a pasta com o movimento telegráfico. Nada que demandasse providências.
Fiz um par de recomendações ao Roberto e fui à luta, torcendo para que o Monza não me deixasse na mão, como ocorrera algumas vezes.
Parêntesis. Vindo da SERE, caixa baixa, comprei o Monza de segunda mão numa sexta-feira. Fim de semana normal. Na segunda-feira, quando levava os meninos para a Escuela Campo Alegre, no bairro de Las Mercedes, o carro pifou no meio do trânsito. Trânsito de Caracas, bien entendu.
Bem, cheguei ao Parque del Este, ali na Avenida Francisco de Miranda, um oásis no caos urbano de Caracas. Criado pelo nosso paisagista Burle Marx.
Já tinha dado umas duas voltas no circuito, quando vejo o Roberto Abdala, que me esperava na entrada. Disse-me que o Embaixador dos Estados Unidos queria falar comigo com urgência.
Corri de volta à Chancelaria e liguei para a Embaixada americana. O Embaixador disse que queria dar-me conta de que a Guarda Nacional venezuelana havia solicitado ajuda para localizar um destacamento de soldados que se havia perdido na floresta enquando perseguia um grupo de garimpeiros, supostamente brasileiros no
lado venezuelano da fronteira. Por tal razão o Governo americano havia decidido despachar dois helicópteros da base localizada no Panamá para auxiliar na busca dos militares venezuelanos.
Preocupado, disse-lhe que ele decerto estava ciente da sensibilidade do assunto. Disse-lhe ainda estranhar que as autoridades venezuelanas não tivessem recorrido à nossa colaboração, sobretudo à luz da permanente disposição dos dois governos de cooperar para que episódios do gênero se reduzissem ao nível de “problemas na fronteira”, como gostava de dizer o Renato Prado Guimarães, e não “problemas de fronteira”. Além disso as brigadas de infantaria da selva do Exército brasileiro são bem conhecedoras da região”.Uma operação como tal cogitada implicaria no sobrevoo (intencional ou não) de aeronaves estrangeiras na linha de fronteira, por si só intrincada e permeável, dada a então pouca densidade dos marcos fronteiriços.
O Embaixador americano pretendeu apegar-se ao argumento de que se tratava de uma missão de caráter humanitário, tipo busca e salvamento do destacamento de soldados da GN descaminhados na mata.
Hold your horses. And your helicopters.
Fosse como fosse, pedi ao diplomata americano que sustasse, com os meios que lhe coubesse fazer, o início da operação no Panamá. Nesse meio tempo eu iria informar o Itamaraty e pedir instruções.
E assim o fiz, não sem antes consultar discretamente o Adido do Exército, que não sabia de nada.
Contatei o gabinete do Secretário-Geral, onde obtive o telefone do seu automóvel. O Chefe de Gabinete, Embaixador Osmar Chohfi, estava justamente a caminho de um almoço de despedida para Clodoaldo Hugueney, Embaixador designado para Caracas, na residência do Embaixador Gelson Fonseca. Por sorte, neste almoço estaria também o Embaixador da Venezuela.
To make a long story short, dei meu recado. Menos de uma hora depois, recebi instruções de comunicar ao Embaixador dos EUA que o assunto estava resolvido entre altas autoridades brasileiras e venezuelanas.
End of story.
Missão cumprida. Não deu mais para continuar minha corridinha. O jeito foi tomar uma birita. E pegar a Tereza e ir comer um ótimo bife no Lee Hamilton.

Dante Coelho de Lima é diplomata.

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