Como destruir a Amazônia
Em 1964, fui pela primeira vez a Manaus. Era uma cidade isolada. Fiquei hospedado no Hotel Amazonas, que conhecia de anúncios pitorescos na revista Reader’s Digest. Lá, ele aparecia como algo no meio da floresta, ao lado de uma arara, sugerindo um ambiente exótico e primitivo. Era um anúncio tão convincente que o pessoal do hotel costumava dizer que era comum turistas desembarcarem com aquela indumentária de ingleses a caminho de um safári. A realidade era diferente: o hotel ficava numa rua central de Manaus, tipicamente um edifício urbano. O que ainda era primitivo era o interior do estado, como pude comprovar viajando numa “gaiola”, visitando comunidades ribeirinhas.
Logo depois, começou aquela febre de Brasil grande. O asfaltamento da Belém-Brasília, rodovia Transamazônica, Perimetral Norte, Suframa, Basa, Zona Franca de Manaus, Sudam, agrovilas e um festival de iniciativas e alocação de subsídios que, desde então, vêm incessantemente destruindo os ambientes naturais.
Como era de se esperar, o subsídio, ao injetar dinheiro barato em uma economia frágil, atrai contingentes populacionais com custos de produção gravosos e alto potencial de destruição de ambientes naturais para a região que recebe tais subsídios. Em 1970, seis anos após aquela primeira visita, lembro de ter constatado uma degradação perceptível nos ambientes urbanos, naturais e na própria população. No censo daquele ano, a região Norte já respondia por cerca de cinco por cento da população nacional. Nos 50 anos subsequentes, o processo de degradação se acelerou, pois a sanha de direcionar subsídios para aquela região, cristalizada na Constituição de 88 e recentemente expandida, hoje já faz detectar mais de 25 milhões de habitantes na Amazônia legal, conforme tem apregoado o presidente da república e os políticos locais, muito animados em atrair, com a realização da COP 30 da ONU, recursos para “salvar a Amazônia”.
A Amazônia que receberá a conferência da ONU é, portanto, o mostruário de tudo que não se deve fazer em matéria de desenvolvimento ambiental. Certamente é a maior destruição já vista em uma época que, supostamente, a consciência ecológica deveria prevenir tal tipo de desastre. Hoje, vivem na região cerca de 12,5% da população brasileira, um ganho estrutural muito significativo nos últimos 50 anos, mostrando que para lá se dirigem correntes migratórias internas do país. Por outro lado, isso em nada auxilia na inviolabilidade das nossas fronteiras, pois por essa região flui contrabando de toda sorte. As Forças Armadas, que nos últimos séculos haviam garantido nosso território, têm sido profundamente penalizadas por cortes de verbas. O grande fotógrafo Sebastião Salgado, um dos maiores conhecedores da Amazônia e autor de um incomparável acervo fotográfico da natureza e das populações indígenas, costuma apontar em suas palestras que o mais importante trabalho de assistência às populações e controle de fronteiras é efetuado pelas Forças Armadas.
É lamentável, por fim, constatar que esses males aos quais se somam o garimpo ilegal, a poluição dos rios, a escandalosa exportação de madeiras e tantos outros são consequências diretas ou indiretas de políticas públicas. Essas políticas continuam vigentes, enriquecendo políticos locais e outros atores que concentram essa renda transferida através de subsídios, dos quais o mais recente capítulo é a sucessão de “coincidências”: Eletrobras vendendo térmicas para empresa Âmbar, medida provisória três dias após concedendo subsídios para a energia produzida por estas usinas e, na semana seguinte, a Âmbar compra a Amazonas Energia, destino final de mais de 10 bilhões de subsídios para indenizar energia e combustíveis pagos à Petrobras. Essa conta recairá em todos nós, consumidores de energia do resto do país. Como vemos, em matéria de “greenwashing”, podemos ser campeões mundiais.