China quebra paradigmas e assume liderança
Em curto espaço de tempo a China será a maior produtora mundial de hidrogênio a baixo custo e, de quebra, vai baratear ainda mais o seu custo industrial de produção, tudo com uma única tacada. As células a combustível, que utilizam o hidrogênio para produção de energia limpa, poderão substituir o diesel e a gasolina muito antes do que as pessoas imaginaram.
“We didn´t leave the Stone Age because we ran out of new stones. We created new materials, and that´s what we´re doing here. We´re creating a future. (Nós não saímos da Idade da Pedra por falta de pedra. Nós criamos novos materiais, e isso é o que estamos fazendo aqui. Nós estamos criando o futuro. Deborah Wince-Smith, President & CEO, Council on Competitiveness
No dia 29 de setembro de 2018 foi testado com sucesso, na China, o gerador de vapor do primeiro reator nuclear de IV geração, última etapa a ser vencida antes da sua entrada em operação para produção de energia. É um reator nuclear de alta temperatura (700 – 900ºC) refrigerado através do gás hélio e moderado à grafite. É um reator intrinsicamente seguro, ou seja, mesmo que por uma falha catastrófica ele fique sem refrigeração (como aconteceu em Fukushima – Japão, quando a bomba de refrigeração foi atingida por uma tsunami) ele se apaga por si, sem a necessidade de qualquer intervenção externa. Isso ocorre porque a grafite suporta até 3000ºC sem perda das suas propriedades mecânicas e, com o aumento da temperatura (ao redor de 1700ºC), os nêutrons se tornam rápidos e, em consequência, incapazes de produzir a fissão nuclear, em outras palavras o reator se apaga por si mesmo.
Além das vantagens na área da segurança, o combustível nuclear que alimenta o reator tem a forma esférica, similar à uma bola de tênis e, em seu interior, estão milhares de micro partículas de óxido de urânio cercadas por duas camadas de carbono, sendo uma porosa e outra pirolítica, além de uma camada de carbeto de silício. Essas camadas reterão os resíduos oriundos da decomposição do combustível nuclear. Essas bolas, conhecidas como “peeple bed”, circulam dentro do reator sendo alimentadas por cima e retiradas e testadas na sua saída, na parte inferior. Isso permite que falhas na produção de uma ou outra esfera sejam insignificantes em relação ao volume total de combustível presente no reator, além de permitir a sua substituição imediata, ou seja, não se fazem necessárias paradas para recarga de combustível, reduzindo seu custo operacional. Com os reatores atuais, cujo combustível nuclear é alimentado em varetas, a falha na confecção de uma delas pode ser catastrófica, além disso, de tempos em tempos, é necessário interromper a operação do reator para troca das mesmas, ou seja reabastecimento. Os dois itens principais do reator chinês, as bolas “peeble bed”, contendo o óxido de urânio, e a grafite, usada como moderador da reação de fissão, foram fornecidos pela Alemanha e pelo Japão, respectivamente.
As usinas geradoras de hidrogênio funcionarão lado a lado com esse reator (HTR) uma vez que se aproveitarão não somente da sua energia, mas também da sua elevada temperatura. Diversos estudos têm mostrado, sendo um dos mais recentes o da INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY VIENNA, 2018 – “EXAMINING THE TECHNOECONOMICS OF NUCLEAR HYDROGEN PRODUCTION AND BENCHMARK ANALYSIS OF THE IAEA HEEP SOFTWARE”- que a produção de hidrogênio, utilizando-se reator nuclear de alta temperatura, é economicamente vantajosa se comparada com as tecnologias convencionais (“water electrolysis, high temperature steam electrolysis, steam reforming, thermochemical cycle and hybrid cycle”), mesmo quando se utiliza energias renováveis. Nesta avaliação da economicidade foi incluído o custo da construção, o comissionamento e a desmontagem (decommissioning) do reator. Se é economicamente mais conveniente construir esse tipo de reator para, especificamente, produzir hidrogênio, imagine se o hidrogênio for um subproduto da geração de energia elétrica para uma cidade, principalmente nas horas de baixo consumo elétrico.
Se a produção de hidrogênio para alimentar células de combustível, já não fosse razão suficiente, o reator de alta temperatura deverá se situar nas proximidades de uma enorme área industrial que se aproveitará, a custo quase nulo, do calor gerado pelo mesmo nas suas instalações. Em outras palavras, além de produzir hidrogênio barato, os produtos industriais chineses poderão chegar ao mercado ainda mais baratos do que atualmente. Poderá ser o “tiro de nuca” na indústria de muitos países, principalmente dos emergentes.
Esses reatores de alta temperatura, moderados a grafite e refrigerados a gás, além de modulares, podem ser instalados em qualquer lugar do país, uma vez que não necessitam de grandes volumes de água (como os reatores em operação atualmente) e, portanto, podem ser instalados ao lado do local de consumo, evitando a construção de linhões de transmissão, com todos os problemas que esses linhões geram, seja na área ambiental ou na insegurança do fornecimento elétrico.
Considerando que ENERGIA será a commodity mais importante do Século XXI, além desse reator (HTR) experimental, que é modular, com dois módulos de 210 MWe cada um, já existem 45 outros reatores nucleares em operação na China e 15 em construção, de vários tipos diferentes. A previsão do país é ter 58 GWe de energia nuclear instalados até 2020 e mais 30 GWe em construção (http://www.world-nuclear.org/information-library/country-profiles/countries-a-f/china-nuclear-power.aspx – atualizado em 2018). Em paralelo, a China anunciou este ano que em 2020 atingirá a capacidade de 210 GW gerados em energia eólica (maior do mundo) e que já possui uma capacidade instalada 130 GW gerados por energia solar (também a maior do mundo).
Para efeitos comparativos, a capacidade instalada de energia eólica no Brasil é de 13 GW esperando-se que chegue a 19 GW em 2023, a solar é de 2 GW e a nuclear é de aproximadamente 2 Gw.
Nunca a frase atribuída à Napoleão se tornou tão verdadeira: “Quand la Chine s’éveillera le monde tremblera” (quando a China despertar o mundo tremerá).
Pequeno resumo histórico do reator de alta ou muito alta temperatura (HTGR ou VHTR) que entrará em operação em 2019 na China.
A história desse tipo de reator remonta aos Estados Unidos, mais especificamente em Peach Bottom (40 MWe) e Forte St Vrain (330 MWe), mas uma série de incidentes, principalmente ligados às varetas de combustível que alimentavam esse último reator, provocou o abandono da ideia (1989). Em 1977 e 1980, a Alemanha depositou duas patentes com o sistema “peeble bed”, já mencionado, para alimentação do urânio no reator e duas plantas de pequena potência entraram em operação, mas com a decisão alemã de não mais utilizar energia nuclear, elas foram abandonadas em 1989. O Japão foi o terceiro país a se envolver com os reatores de alta temperatura e em novembro de 1998 um reator de teste de 30MWt atingiu a criticalidade, mas o acidente de Fukushima não permitiu que o país avançasse para o passo seguinte, um reator experimental. Quem acabou fazendo isso foi a China, com o reator mencionado no texto acima, na baía de Shidao, na província de Shandong.
Vários países, incluindo os Estados Unidos e o Japão, aguardam ansiosamente a entrada em operação comercial do reator chinês, já com toda a infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento preparada, para construir e operar o segundo reator HTR (high temperature reactor) ou VHTR (very high temperature reactor) do mundo. Será uma corrida já com data marcada para ter seu início em 2019.