Calote no calote

acessibilidade:

O Precatório por si só já é um calote. Depois de décadas demandando no Judiciário justos pagamentos do Poder Público, uma a empresa ou cidadão, ou seus herdeiros, já que não raro a morte chega bem antes da quitação do débito, recebe, ao “transitar em julgado” sentença respectiva, uma “promessa de pagamento” para dali à alguns anos. Isto já é um calote! E dos grandes.

Assim sendo, o que estamos assistindo hoje é o calote no calote. Devemos R$ 90 bilhões em Precatórios a serem pagos em 2022, que, segundo Paulo Guedes, serão pagos “quando o Governo puder…”. Não é quando a lei manda e muito menos em conformidade com o que já deveria ter acontecido há muitíssimo tempo. E “quando o Governo puder”. Só faltou o Ministro da Economia acrescentar: “e se puder”…

Não vou aqui discutir as “soluções” que estão sendo avaliadas. Quero discorrer sobre as causas.

A culpa disto não é só do Governo Bolsonaro. Nem só de outros Governos. Boa parte da culpa disto é de servidores de carreira que “servem” a diversos Governos e que se valorizam com a existência de Processos e não com a solução deles. Tenho certeza de que durante a tramitação das Ações que resultaram nestes 90 bi varias oportunidades de acordo foram apresentadas. Certamente estas questões poderiam ter sido solucionadas por menos de 1/3 disto. Todavia, existem setores do Poder Público que, contando com a conhecida e reconhecida morosidade da nossa Justiça, se vangloriam em adiar pagamentos e se dedicam a postergar, e até litigar de má fé, mantendo custosos Processos vivos por décadas e cidadãos e empresas privados do que lhe é devido. Falo da procrastinação pela procrastinação. A Justiça através do CNJ insiste na conciliação. Juízes no decorrer dos processos apresentam várias oportunidades para a celebração de acordos.

Porém, sincera e infelizmente, me parece que estes servidores pensam que o correto é não pagar. Recusam acordos muitíssimo vantajosos para os Governos confiando no fato de que “ainda dá para enrolar muito até a efetiva liquidação”.

E alguém sabe de algum servidor já tenha sido investigado ou punido por ter se decidido pela não celebração de um acordo vantajoso? Não seria a caso de investigar, e se for o caso punir, também a conduta de servidores que impedem o Poder Publico de economizar? Afinal, causam enormes prejuízos e nada lhes acontece. E alguém paga por isto? Sim. Todos nós que pagamos impostos!

Devo reconhecer que o punitivismo que condena preliminarmente qualquer atitude onde possa haver divergência, atrapalha. E muito. Muitas vezes o Servidor fica com medo de decidir. Então joga para a Justiça a responsabilidade pelas decisões, entupindo os Tribunais de Processos, lesando quem tem Direitos e, ao final, causando prejuízos aos cofres públicos. Sim, porque a hora do “ter que pagar” chega, como chegará para 90 Bilhões de Reais em 2022.

É necessário que isto mude. Aqueles que tem responsabilidade nisto tem que parar de se comportar como se fossem membros de uma torcida organizada de um clube de futebol e que aplaude até gol de mão. A paixão tem que dar lugar para a razão e todos tem que estar concientes de que procrastinação não é vitória e de que mitigar o risco de perdas em um processo também se constitui em prova de capacidade. A Conciliação com absoluta transparência deve ser o caminho a ser perseguido sempre que existirem provas concretas da existência de direitos de quem cobra.

Carlos Marun, advogado, foi ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República.

Reportar Erro