Bolsonaro e as joias sauditas

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Esse “vexame” a que está sendo submetido o ex-presidente Bolsonaro e alguns assessores sobre desvios de joias presentadas em viagens oficiais, deve ser esclarecido, em detalhes, o mais rapidamente possível.

O inquérito policial de caráter administrativo não condena, nem absolve.

Tem, sobretudo, função preservadora, que protege a inocência das pessoas investigadas.

A autoridade policial apura as evidencias para verificar possíveis ilícitos.

Há necessidade de provas materiais para o início de um processo penal, pois indícios e “ouvi dizer” não são aceitos.

No caso específico das joias sauditas falta a conexão histórica, entre os fatos narrados pela diligencia policial e o tratamento jurídico dado ao longo do tempo com o recebimento de presentes por autoridades da República.

A mídia noticiou, que o inquérito da PF constatara que o ex-presidente Jair Bolsonaro fora recebedor de US$ 25 milhões em espécie, resultado da venda das joias presenteadas pelos sauditas.

Posteriormente, a PF admitiu um erro e afirmou que o valor global movimentado foi de R$ 6,8 milhões.

Bolsonaro declara que os “presentes” questionados estão na CEF (Caixa Econômica Federal), acervo ou PF.

Pede perícia para constatar o alegado. A defesa de Bolsonaro devolveu um fuzil e uma pistola recebidos em 2019, durante viagem aos Emirados Árabes Unidos.

Diferente das joias, as duas armas foram comunicadas à Receita e ao Exército, para que fossem registradas.

Há que ser considerado juridicamente, que em todas as normas editadas ou sancionadas no país, “inexiste” regra clara e objetiva inserida em lei, de que o presidente da república é obrigado a devolver presentes recebidos em viagens oficiais.

Em resumo, o princípio da legalidade pressupõe que o estado não pode tomar nenhuma ação punitiva, administrativa ou restritiva contra o indivíduo se não houver, para tal, previsão em lei.

O princípio da legalidade serve para proteger o cidadão do abuso de poder, de ações arbitrárias, dentre outros riscos advindos de um Estado autoritário.

Quando se trata de matéria penal, esse princípio é tratado com máximo rigor, uma vez que o bem violado quando não se cumpre o princípio é nada menos que a liberdade do indivíduo.

As normas legais existentes no país sobre essa matéria, regularamn alguns aspectos, mas não há em nenhuma delas a sanção da obrigatoriedade do Presidente da Repúblcia devolver presentes recebidos.

Dois anos após a primeira eleição direta depois da Ditadura Militar, a lei 8.394/1991 foi aprovada no intuito de proteger o patrimônio privado dos presidentes da República. A norma legisla sobre os documentos do acervo privado do mandatário.

Após a redemocratização, em 1991, o então presidente Fernando Collor de Mello propôs uma lei, usada de forma interpretativa, por mais de duas décadas.

Em 2002, FHC editou o decreto de nº 4.344/2002.

A ambiguidade de todas essas normas citadas fez com que, por anos, os membros do Estado brasileiro interpretassem que o dispositivo abrangesse unicamente a posse dos bens em trocas de presentes.

Sendo assim, todos os presentes nessas trocas eram públicos, enquanto os demais se tornariam patrimônio privado do presidente, o que beneficiou, por exemplo, Lula e Dilma Rousseff em parte de presentes recebidos.

Sabe-se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu 9.037 itens nos seus primeiros 2 mandatos (2003-2010).

Ao final do mandato, tudo foi retirado do Palácio em 11 contêineres, armazenados por 5 anos com o custo de R$ 1,3 milhão pago pela empreiteira OAS.

O TCU analisou em 2016 parte deste acervo, composto por 568 itens recebidos nos seus 2 primeiros mandatos apenas em visitas oficiais de chefes de Estado (2003-2006 e 2007-2010).

Do montante analisado, o petista incorporou 559 itens ao seu acervo pessoal, segundo dados do Gabinete Pessoal da Presidência de 2016, cedidos para o relatório do TCU.

Neste contexto de dúvidas jurídicas, pela falta de precisão e objetividade das leis sobre o assunto, a família Bolsonaro é exposta a execração pública. Defende-se de fatos divulgados em noticiários semelhantes a séries policiais.

É enquadrada incrivelmente como participante de uma “gang”, que pratica os crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato.

Independente, de posição política, pró ou contra Lula e Bolsonaro, caberá ao Ministério Público, com a urgência possível, apreciar o inquérito em debate, seguindo as regras de respeito ao devido processo legal.

Do contrário, o estado de direito estará realmente lesionado no Brasil.

Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente da CCJ da Câmara Federal – ex-presidente do Parlamento Latino-Americano, procurador federal – [email protected] – blogdoneylopes.com.br

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