Amazônia e pacto geracional: ricos e muito pobres

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As concepções sobre desenvolvimento sustentável, popularizadas desde o Relatório Bruntland (1987), sistematicamente tratam da necessidade de garantir que as gerações presentes mantenham critérios justos de consumo a fim de possibilitarem às gerações futuras os recursos naturais necessários à manutenção da vida – justiça intergeracional. Os números, porém, credenciam a fome e a miséria como marcas assombrosas da (má) divisão dos recursos planetários nos dias atuais – injustiça intrageracional. E, é nesse exato e literal quadrante da história que o bioma amazônico resguarda-se como a maior reserva biológica da humanidade. Todos anseiam preservá-lo para que um dia dele “todos” possam usufruir de suas riquezas.

O pacto geracional exige da humanidade um modelo experiencial no qual os aspectos ambiental, social e econômico devem (e precisam) coexistir igualitariamente, um não menos importante que o outro. Entretanto, discursar sobre sustentabilidade foi e é um processo arraigado de inúmeros paradigmas, visto que a ele são conferidos paradoxos existenciais a respeito da assimetria social do presente e a almejada simetria temporal no uso dos recursos naturais no futuro. Nesse viés, a desigualdade na distribuição das riquezas no planeta impulsiona (obriga) cada vez mais o lançamento de programas voltados para proteção e conservação de espécies da fauna e da flora. Preservar é uma das formas de garantir comida e água suficientes para todos, conforme estipulam os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre segurança alimentar, publicado em julho de 2020, mostra que quase 690 milhões de pessoas passaram fome em 2019 – 10 milhões a mais que 2018 e 60 milhões na análise de 5 anos. As projeções para 2030, segundo a ONU, indicam ainda que mais de 840 milhões de pessoas serão afetadas pela subnutrição, o que representa 9,8% da população mundial. Assim, o patamar de insegurança alimentar dos continentes africano e latino-americano, que os coloca no topo do ranking negativo, manter-se-á nos próximos anos, do mesmo modo como América do Norte e Europa permanecerão com índices abaixo de 2,5% de sua população com problemas de subnutrição (FAO, 2020).

A fome, a pobreza e a miséria são alarmantes em todo planeta e não é à toa que a biodiversidade amazônica encontra-se no cerne das preocupações sociopolíticas, econômicas e ambientais de diversas nações. Logicamente, a retrospectiva histórica da região contribui para as inquietações internacionais: o período colonial, o misticismo, o obscurantismo oriundos das Ordens religiosas, o desinteresse pela ciência; as políticas públicas de assistencialismo que suscitaram (e suscitam) sérios problemas fundiários, precária infraestrutura básica, modelo extrativista predatório e resultados desapontadores no que se fere ao desenvolvimento socioeconômico.

Destarte, com o passar dos anos, o “Salvem o pulmão do mundo!” invadiu os noticiários de jornais e revistas em âmbito nacional e internacional e chegou ao século XXI com força total, transformando-se uma espécie de lema para a região. Obviamente, a frase é errônea em diversos aspectos e inverte o foco das preocupações com os oceanos para a Amazônia, sendo que mais de 50% do oxigênio do planeta é produzido pelas algas marinhas. Interessante também é destacar a quantidade de entidades não-governamentais, nacionais e internacionais, que atuam na busca de proteger o vasto mundo amazônico. Segundo informações retiradas do Mapa das Organizações da Sociedade Civil, feito pelo Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA, 2019), 102.080 entidades atuam na Amazônia Legal (composta pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão). Isso representa, por exemplo, quase 80% do número total de ONGs de toda Europa.

Outro jargão bastante difundido sobre a região amazônica é o de ser “celeiro do mundo”, sendo que a soberania alimentar e nutricional dos próprios amazônidas é deficiente. Em 2021, dados publicados na 8ª edição da revista amapaense Tempo Amazônico apontam que 17% da população da Amazônia vive em pobreza extrema. Traçando comparativo nacional, enquanto 29% da população brasileira está localizada na faixa da pobreza, na Amazônia os números saltam para 42%. Dessa forma, a rica biodiversidade amazônica não garante ao povo que nele vive segurança alimentar, o que também a torna um imenso espaço de pobreza e fome persistentes. Então, como alimentar o planeta? Essa é uma discussão complexa e ficará para as cenas dos próximos capítulos.

Enfim, no espaço amazônico, a prática de modelos sustentáveis, o estímulo a cadeias produtivas voltadas à bioeconomia e à agregação de valor aos produtos da floresta, a produção de biomassa, a intensificação do manejo comunitário e empresarial, a tecnificação da pecuária, a inserção de projetos de energia renovável, a repressão aos ilícitos ilegais são ordenamentos em processo de evolução, que possuem um longo caminho a ser percorrido e traçam novas perspectivas para o povo amazônida, para a floresta, para os rios e, acima de tudo, salientam projeções significativamente menores à inocorrência de desastres do passado como a “corrida da borracha”. É preciso compensar o tempo perdido de forma prudente, sem exclusão social e com índices positivos, especialmente os que tratam de fome e miséria.

Euridece Pacheco Ruella, professora e mestranda em Direito Ambiental e Políticas Públicas, escreveu este artigo em parceria com Antonio Roberto de Souza Góes, Tenente do QOABM/AP, graduado em Gestão Pública.

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