Francisco Maia

Acaso do ocaso

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Os estados enormes, obesos e fortes são típicos de governos autoritários, mas as economias liberais podem ser instrumentos de tiranos. Há vezes que os liberal-fundamentalistas não chegam a ser ferramenta do autoritarismo, são apenas antissociais. O estado liberal-puro-sangue quer um mercado quase um gestor do Estado, as competições entre os setores produtivos é que são as promotoras das regras da economia.

A sabedoria budista nos conta que a verdade sempre deve estar no meio. É extremamente saudável que aqueles que produzem, vendem e servem, possam estabelecer normas de comportamento para o desenvolvimento de seus negócios. Apesar desse axioma o Estado precisa ter algum poder moderador para que ele mesmo e toda a economia, não façam prevalecer a Lei de Saturno, onde os mais fortes comem os próprios filhos. Uma raposa livre, junto a galinhas livres, não tem compromisso social com os mais fracos.

Assim é o radical liberalismo, que não tem um olhar justo nas catástrofes da nação e nas ações sociais de iniciativa privada que socorrem o povo, com capacitação ao trabalho, saúde e bem-estar dos trabalhadores. Felizmente, o Brasil tem governantes que foram eleitos pregando esse o social liberalismo, mas depois da vitória não conseguem manter a palavra pela reação autoritária e equivocada de seus secretários ou ministro.

A recente saída de dois poderosos secretários do ministro Paulo Guedes não pegou o setor privado de olhos fechados. Guedes falou em “uma debandada”, na entrevista que deu à imprensa. Salim Mattar (Desestatização) e Paulo Uebel (Desburocratização) deixaram o governo Bolsonaro aos resmungos. Eram responsáveis respectivamente pelas privatizações e reforma administrativa. Antes, ganharam voo solo. Também ganharam voo solo outros membros da equipe: Rubem Novaes (presidente do Banco do Brasil), Caio Megale (diretor de programas da Secretaria de Fazenda) e Mansueto Almeida (secretário do Tesouro Nacional), não suportaram viver a contradição instalada na economia.

Foi um duro golpe para o ministro, que até hoje vive uma sinuca de bico. Para a geração de Chicago, está difícil morar junto com quem prometeu transparência e proteção aos esquecidos. O Plano Mais Brasil, que Paulo Guedes anunciou como uma “transformação do Estado brasileiro” foi um presente de Tróia a quem não tem nenhum interesse em gastos, tanto no investimento produtivo como nos cuidados sociais e, portanto, ficou contraditório. Possui poder explosivo para mexer no bolso de servidores públicos, com gente que sonha nos concursos públicos, em brasileiros que esperam diminuição de impostos e instituições da iniciativa privada que suplementam o Estado em educação e saúde. O presidente da Abrinq, Synésio Batista da Costa, já havia advertido, “o Brasil não funciona como se quer, funciona como é possível”.

Paulo Roberto Nunes Guedes, PhD pela Universidade de Chicago – berço dos Chicago Boys, fundador do Ibmec, Instituto Millennium e Banco Pactual, sempre foi um economista talentoso e aplicado. Soube multiplicar o patrimônio de seus clientes no mundo financeiro, assim como os seus próprios e legítimos guardados milionários. Sincero e probo como sempre foi, teve humildade ao admitir que falhou na tarefa de ampliar o crédito no Brasil, principalmente o que é dirigido às pequenas e médias empresas, dizendo infelizmente o dinheiro não chegou à ponta.

Culpado ou inspirado por alguma divindade palaciana, garantiu que o governo vai investir “mais uns R$ 300 bilhões de crédito”, em programas para micros e pequenas empresas.

Um dos maiores jornais da Europa, o El País, de Madri, foi cruel na análise que fez da atual economia. A permanência de Paulo Guedes no Chile de Pinochet teve uma avaliação injusta e ferina. O professor universitário Paulo Guedes, nem por absurda ficção, participou do banho de sangue que o Chile conheceu. Sua única cumplicidade com o governo sanguinário de Augusto Pinochet foi quanto à economia austera, bem-intencionada e implacável, que sufocou os pequenos negócios e desorganizou a classe média. “Não é que fui para a ditadura de Pinochet. Recebi um convite de tempo integral na Universidade do Chile e fiquei seis meses”, defendeu-se ao jornal El País.

O grande problema dessa pós-graduação ao vivo é que as experiências do passado são feitas para reflexão, nunca para repetição.

A chegada da pandemia iniciou aquilo que pode ser o calvário do ministro da Economia. Seu jeito de tratar as finanças, o indispôs com os princípios populares do Presidente da República, assim como aos conceitos e normas políticas do Congresso Nacional. A rentabilidade dos setores produtivos e a diminuição dos níveis de consumo da população, que afinal geram votos nas eleições, entraram nessa salada sem sal.

O desastre pode não ter adjetivos pejorativos suficientes, no momento em que o país se defrontar com a nova realidade. Todas os cenários apontam, em 2020, para uma queda nas finanças sem precedentes na nossa história. Pode superar o mau desempenho dos piores tempos do passado econômico do país. Para agravar o cenário, passamos a viver o descrédito internacional, onde a expectativa de órgãos internacionais prevê que a crise leve a economia mundial à maior recessão desde a Grande Depressão de 1929.

Nesse clima o governo federal anunciou o Plano Pró-Brasil. É um programa que pretende aumentar as inversões públicas e privadas para a recomposição financeira depois da crise do Covid-19.

O objetivo projeta o programa a partir de dois vetores: um dirigido à “ordem”, outro ao “progresso”. Aumento da segurança jurídica e proteção econômica à iniciativa privada é o recado da Ordem, enquanto o Progresso deve ser conquistado pelos investimentos públicos e privados.
Foi lamentável que esse evento deu ao ministro um claro sinal das contradições políticas e econômicas que passou a viver.

No lançamento do programa chamou a atenção a ausência do ministro da Economia para o anúncio do evento. A fala de apresentação foi comandada pelo ministro da Casa Civil, Braga Netto, e nenhum representante da equipe econômica estava presente.

No Congresso, Guedes começou a sentir cara feia e oposição. A maneira dura como está conduzindo os ataques
ao Sistema S, deixa os parlamentares de saia justa. Ninguém pode concordar com um projeto injusto que conspira contra educação e saúde dos trabalhadores, além de prejudicar, às vésperas de uma eleição, o conforto dos eleitores.

Em resumo, para o plano de Paulo Roberto Nunes Guedes dar certo, vai ser preciso a bala de prata do Zorro. No pesado Smith & Wesson do herói, o tambor de munição engasgou. A ideia da volta da CPMF, contribuição provisória sobre movimentação financeira, foi o barulho que faltava naquele tiroteio.

Bolsonaro já havia jurado impedir a volta desse e outro qualquer imposto. O antigo secretário da Receita, Marcos Cintra, já teve o pescoço na lâmina da guilhotina por defender a CPMF. O mundo econômico do Brasil ficou de cabelo em pé ao imaginar a volta de um imposto em cascata.

Por onde passa, a CPMF vai engordando a receita. Os produtos ficam mais caros e quando em situações de crise, o consumo evapora. Resta à sociedade o bom senso do Congresso, casa multipartidária do povo, para que o presidente da Câmara Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, do Senado, lustrem e brilhem as necessidades da Lei.

O governo e a iniciativa privada começam a perder a confiança no seu ministro da Economia. A Universidade Johns Hopkins, em Washington, já deu um aviso: “Há uma “síndrome de ingenuidade aguda” do mercado em relação a Guedes.

O princípio liberal-fundamentalista adverte que a despesa pública real seria a origem de todos os pecados, mas nada fala sobre o absurdo gasto financeiro. Afinal, essa é mais uma contradição pois “ninguém gasta o dinheiro dos outros com tanto cuidado como gasta o seu próprio” como a iniciativa privada porque assim nos informou Milton Friedman, mestre e pai da economia livre.

O novo projeto econômico brasileiro vive um momento de grande tristeza. Após os tempos de desacerto, sempre se esperou que um posto Ipiranga pudesse dar certo. Entretanto, o ocaso desses novos dias parece já ter sido anunciado. Aqueles que estiveram com Bolsonaro nos últimos dias, segundo dois ministros, como antecipa o jornal Correio Braziliense, “quem esteve com o Presidente nesta última semana ficou surpreso como ele se referiu ao ministro Paulo Guedes. Bolsonaro está irado com as declarações do ministro sobre os riscos de o governo furar o teto dos gastos. Bolsonaro deixou claro que a paciência dele chegou ao limite”

A escolha de um novo nome para fazer a regência da orquestra econômica não pode esquecer a certeza de Bertrand Arthur William Russell, conde, matemático e filósofo do século 20: o problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, enquanto os tolos estão cheios de certezas.

Talvez mais que filósofos e matemáticos, um proverbio popular tenha muita certeza. “O grande erro é arruinar o presente, recordando um passado que já não tem futuro”.

Francisco Maia é presidente do Sistema Fecomércio-DF (Presidente Fecomércio, Sesc, Senac e Instituto Fecomércio).

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