A nação, como lambari de córrego

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Já não falo nas liberdades perdidas nem na privacidade entregue à rabugice de uns e à sabujice de outros. Já não falo das leis construídas longe da representatividade dos parlamentos nem dos parlamentos flácidos de uma sociedade exangue. Falo de uma nação que, consciente da falta de alternativas, parece aceitar seu destino, capturada por uma rede como lambari de córrego. Já não se comove nem move. E como já sequer lembra o que foi, sequer sabe o que é.

Comecei este texto assim, falando do que me vai na alma, para chegar à falta de representatividade que asfixiou a democracia brasileira, cujas “décadas de estabilidade” contadas da Constituinte de 1989 são festejadas pelos senhores que manejam a rede.

A “democracia brasileira” é uma democracia de palanques e encenações com convidados, coquetéis e jantares, privilégios, sortilégios e sacrilégios. Tem mais partidos do que ideias, mais cargos do que funções. É sem povo porque o povo está na avenida e a avenida está tarrafeada. No Brasil desta década triste, o povo não tem querer e fala a ouvidos surdos. É a democracia da amnésia, do olvido – o eleitor esquece em quem votou e o eleito esquece os deveres que tem e quem o elegeu. Mandato tornou-se patrimônio político amplamente conversível em patrimônio material. O sistema de votação exige um ato de fé em quem suscita mais temor que confiança. De onde vier um sopro de esperança, ali aparece a rede.

Capturado, o eleitor olha súplice para o Congresso Nacional. Ali, pouco mais de uma centena de bravos encara com coragem as malhas que a tudo envolvem. A situação é curiosa pois o governo e a oposição são minoritários.  O centrão faz a maioria para onde soam as moedas. Cada caso tem sua cotação e a nação paga por acordos que não resgatam sua liberdade.

Agora mesmo, a presidência da Câmara dos Deputados, onde quem sentar preservará o poder de decidir sobre o que será votado e o que será engavetado, tem três candidatos viáveis – dois baianos e um paraibano. Você entendeu, não? Nenhum candidato do sudeste, do centro-oeste ou do sul terá votos necessários para substituir o alagoano Arthur Lira. Esta é outra face da hegemonia.

No Senado, será diferente? Muito improvável. Rodrigo Pacheco, ao reassumir em 2023, disse, a quem quisesse ouvir: “Um Senado que se subjuga é um Senado covarde. Não permitiremos. Nós devemos cumprir nosso papel de solucionar problemas através da nossa capacidade e dever de legislar.” Foi o que não se viu. Agora, dentro de poucos meses, salvo surpresa, Pacheco devolverá a Davi Alcolumbre, senador pelo Amapá, a cadeira e as gavetas que dele recebeu em 2021.

Rogo aos céus que em 6 de outubro o eleitor tenha em mente a situação nacional ao atribuir poder político a 5.570 prefeitos e a 60.300 vereadores. E que os eleitos cumpram seu papel como líderes de suas comunidades amantes da Liberdade, da Democracia e do bom Estado de Direito.

Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

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