A cidadania violentada

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Essa imensa e onerosa máquina ministerial vai gastar o ano retrocedendo em avanços realizados no quadriênio anterior? Aos nove meses, no final de setembro, virá à luz algo parecido com um plano de governo que não seja a sua própria conveniência?

Governar é tarefa complexa, que vai além da distribuição de dinheiro em alguns pacotes, associada à busca de novas formas de sangrar o pagador de impostos. Governar não é, tampouco, viajar pelo mundo em faustosas jornadas turísticas que só têm servido para tostar ainda mais a reputação, arrastando junto a imagem de um país novamente transformado em destino de criminosos e párias internacionais. Zero surpresa.

Se o governo ainda não apresentou seu lado positivo, embora já tenha dado muitas voltas em torno de si mesmo, a estratégia está bem conhecida. A Constituição de 1988, prolixa e minuciosa, agravou vícios institucionais que se arrastam desde a proclamação da República. Insano, mas real: hoje, governar exige, sempre, emendar a Constituição, tarefa para a qual se requerem 3/5 dos votos das duas casas legislativas. Boa parte desses totais precisam ser adquiridos a preços nada módicos que sobem em alta temporada. O governo pode, é claro, obter algum desconto se tiver “milhas” acumuladas com o partido ou com o parlamentar, mediante indicações para cargos, convites para viagens ou prestação de serviços diversos.

Nem sempre esses bônus de desempenho são suficientes, mormente se a matéria de iniciativa do governo atacar princípios e valores de apreço da sociedade. Vem então o plano B: o governo apela, direta ou indiretamente, à sua sólida e infatigável bancada no Supremo Tribunal Federal. Ela é pequena, mas unida e manda pacas.

Para substituir-se ao parlamento, o STF precisa, por sua vez, contar com a tolerância das duas casas do Congresso Nacional, que dão sinais de se sentirem sumamente honradas quando o trator judiciário lhes passa por cima. Dado que há bom tempo o sinal congelou no verde, o Supremo vai adiante atropelando a vontade da ampla maioria da população, estabelecendo normas e criando penas segundo as pautas esquerdistas: drogas, imposto sindical, ideologia de gênero, terras indígenas, e por aí segue (aborto já está liberado para ir a plenário!).

Tais deliberações representam a vontade da ampla maioria dos cidadãos? Concedemos mandato para isso a alguma autoridade togada? Descrevo, pois, a violação da cidadania.

O resultado dessa duplicidade legislativa é o colapso da democracia na forma do preceito constitucional que determina o exercício da soberania popular mediante a representação parlamentar. Se as casas do Congresso abdicaram de suas funções, parcial ou totalmente, que entreguem as cadeiras e fechem cuidadosamente as portas.

Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

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