Venda de ações da Braskem alerta vítimas de desastre em Maceió

Oferta de ações pela Petrobras levam preocupação, mas MPF afirma que não afetam acordos judiciais

Avaliada em R$ 42,7 bilhões na Bolsa B3, a Braskem foi notícia nesta semana, pela decisão da Petrobras de vender até 100% das ações preferenciais que a estatal detém na petroquímica, em oferta pública na bolsa de valores B3. A negociação voltou a deixar em alerta autoridades e a levar preocupação a vítimas que cobram reparação integral pelo desastre ambiental e social em andamento em Maceió, decorrente da extração de sal-gema pela empresa para abastecer o setor químico e plástico.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o novo negócio que pode render R$ 32 bilhões aos controladores, não deve afetar seus compromissos já firmados na Justiça com as cerca de 40 mil vítimas do afundamento do solo em cinco bairros da capital alagoana, Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Bom Parto e parte do Farol, que têm sofrido desde 2018 com o agravamento de fissuras nos terrenos, rachaduras em imóveis e tremores de terra.

A reparação bilionária pelos danos já foi cobrada pelo MPF e pelas Defensorias Públicas de Alagoas e da União em ações de R$ 27 bilhões contra a Braskem, e resultou no Termo de Acordo Socioambiental, firmado em dezembro de 2020. Neste acordo, ressalta a Procuradoria da República em Alagoas, está previsto expressamente, na Cláusula 84, Parágrafo Sexto: “A eventual alteração do controle acionário da Braskem não afetará a validade do presente Acordo, mantendo-se hígidas todas as obrigações ora pactuadas”. (Leia a nota do MPF abaixo)

Mesmo assim, autoridades lidam com temores como os expostos pelo presidente da Associação dos Empreendedores no Bairro do Pinheiro, Alexandre Sampaio, Diário do Poder. Ele afirma que empresários do Pinheiro e moradores dos bairros afetados pelo desastre se preocupam a respeito da naturalidade com que a Braskem segue operando, sobretudo a desenvoltura na Bolsa de Valores. Enquanto isso, acusa Sampaio, a empresa está claramente sonegando vários direitos das vítimas.

“Os Ministérios Públicos e Defensorias deveriam requisitar a proibição judicial de qualquer negociação de venda até que a Braskem negociasse com as lideranças das vítimas critérios objetivos de reparação integral dos danos sofridos. Explico: é escandaloso o que a mineradora está pagando de dano moral, R$ 40.000,00, por imóvel. E zero de dano moral para empreendedores, os que mais se prejudicaram com a perda dos negócios e, consequentemente, do sustento das suas famílias. É imoral que os 30.000 trabalhadores e informais que perderam seu sustento não tenham nenhum direito a dano moral e material. O CNJ [Conselho Nacional de Justiça] e a Corregedoria do MPF sabem disso e nada fazem, deixando as vítimas totalmente vulneráveis”, condenou Alexandre Sampaio.

Corregedora Nacional de Justiça, Maria Thereza Moura, debateu com prefeito JHC a regularização fundiária em área de desastre da Braskem, em Maceió. Foto: Edvan Ferreira/Secom Maceió

Atenção e mobilização

O prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, o “JHC” (PSB), disse ao Diário do Poder que a Prefeitura tem acompanhado todas as notícias envolvendo o futuro da Braskem e continuará atenta à questão societária da companhia.

“Vamos inclusive criar um grupo, composto por profissionais de órgãos de controle, para intensificar esse acompanhamento. Nosso objetivo é proteger e exigir tratamento digno às vítimas do afundamento dos bairros. Estamos ao lado delas e não aceitaremos nada diferente disso”, afirmou o prefeito JHC, que recebeu esta semana a Corregedora Nacional de Justiça, Maria Thereza Moura, para discutir apoio às vítimas.

Para o deputado estadual Davi Maia (DEM-AL), existe uma má informação no mercado a respeito de como andam os acordos da Braskem.

“A Braskem está vendendo na B3 que aqui em Alagoas está tudo correto, que ela já fez os ressarcimentos. E ela nem ressarciu as vítimas e, muito menos, o município de Maceió. Não se tem nem proposta da Braskem sobre os impactos causados na cidade. Sem falar nas inúmeras pessoas que não conseguem nem ter acesso aos acordos ou aos termos de acordos. Então, a Braskem está com falsa informação na Bolsa de Valores”, acusa Maia.

Central do Morador foi criada pela Braskem para atender vítimas de danos geológicos em Maceió (AL). Foto: Davi Soares/Diário do Poder/Arquivo

Falta de critério objetivo

O líder dos empresários prejudicados lembra que, em julho, sua associação e o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem entraram com recurso judicial para que os critérios de indenizações fossem estabelecidos de modo transparente. Ele reclama da demora no julgamento desta demanda, e vê inércia também do MPF.

“Sem nenhum critério definido, a Braskem está matando na unha a maioria das 4.500 empresas do bairro. Ela já pagou em torno de 1.500, as menores. Mas está descumprindo todos os prazos acordados com o MPF, que nada faz. Então, o que é muito injusto neste processo é que ações se valorizem na bolsa, Petrobras venda sua participação, sem haver nenhum mecanismo que equilibre o jogo e exija um mínimo critério de pagamento, para que esses interesses bilionários da Petrobras e da Braskem venham a ser levados em conta”, afirma o presidente da associação

Em balanço divulgado pela Braskem na última segunda-feira (13), a Braskem informou que já concluiu o pagamento R$ 1,8 bilhão no âmbito do Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação, ate o final de novembro, com desembolso de 8.373 indenizações às vítimas, mais auxílios financeiros e honorários de advogados. E evidenciou que permanece em 99,6% o índice de aceitação das propostas oferecidas pela Braskem.

Acordos judiciais não mudam

Procurada pela reportagem, o MPF esclareceu que os novos negócios da Braskem na bolsa de valores não devem trazer consequências contrárias à reparação dos danos causados aos maceioenses.

Veja a nota enviada ao Diário do Poder pela assessoria de imprensa da Procuradoria da República em Alagoas:

O acordo para indenização dos moradores – diante dos últimos aditivos que incluíram todos os imóveis contidos na área do Mapa de Risco – prevê seu integral cumprimento até dezembro de 2022.

Eventual venda de ações não implica necessariamente em mudança na gestão da empresa, mas, ainda que haja mudança, não deve interferir na velocidade do cumprimento do Termo de Acordo, uma vez que este foi homologado judicialmente. Inclusive com cláusula que prevê multa por atraso no prazo definido (Parágrafo Segundo, da Cláusula 38ª).

O Segundo Aditivo ao Termo de Acordo para Indenização aos Moradores prevê a disponibilização de recursos adicionais para cumprir ações de compensação e apoio à realocação dos imóveis incluídos no Mapa de Risco, elaborado pela Defesa Civil. Assim, no total, a Braskem aportou o montante de R$ 2,7 bilhões à conta-corrente vinculada ao Programa de Compensação Financeira. E, com o compromisso de que essa conta jamais ficará com saldo abaixo de R$ 100 milhões.

Em caso de modificação das circunstâncias que fundamentaram o acordo e que demandem a adoção de novas medidas para garantir a execução das obrigações pactuadas, o MPF notificará formalmente a empresa para que adote as providências. Havendo recusa injustificada, o MPF poderá adotar as medidas que entender necessárias para garantir o cumprimento das obrigações estabelecidas.

O Termo de Acordo Socioambiental, firmado em dezembro de 2020, prevê expressamente na Cláusula 84, Parágrafo Sexto: “A eventual alteração do controle acionário da Braskem não afetará a validade do presente Acordo, mantendo-se hígidas todas as obrigações ora pactuadas”.