Voluntários se dizem frustrados com incompetência da Fifa

Alguns ainda não receberam credenciais para participar da Copa

O programa de voluntariado da Fifa para a Copa do Mundo é alvo de questionamentos desde que foi anunciado, em agosto de 2012. Afinal, com o Mundial proporcionando à entidade uma receita acima dos R$ 10 bilhões, e lucro superior a R$ 5 bilhões, a Fifa teria plenas condições de remunerar os cerca de 14 mil voluntários do programa. O Ministério Público do Trabalho do Rio (MPT-RJ) até chegou a entrar no começo do mês com ação civil pública – negada pela Justiça do Trabalho – pedindo a contratação e a assinatura da carteira de trabalho de todos os voluntários.

Agora, com o torneio já pela metade, mais um problema veio à tona: alguns participantes do programa ainda não conseguiram tirar as suas credenciais como voluntários, mesmo depois de participarem de todo o processo seletivo e serem aprovados. Sem a credencial, já houve quem perdesse cinco jogos de sua escala na Copa, incluindo a vitória holandesa sobre o México, neste domingo, em Fortaleza.

As complicações tiveram início no ato de retirada das credenciais, há algumas semanas. Alguns dos selecionados pelo programa, ao invés de receberem a credencial como voluntários da Fifa, foram registrados como prestadores de serviço para as empresas Aramark e CSM Brasil, concessionárias no fornecimento de comidas e bebidas na Copa. Ambas também recrutaram, por meio do programa “Quero Vestir a Camisa”, mão de obra para trabalhar no setor de bares e lanchonetes durante o torneio. Diferente do programa de voluntariado da Fifa, o trabalho dos 12 mil selecionados para as empresas é remunerado.

DEMORA – A situação não seria muito complicada se a correção do cadastro fosse feita de maneira rápida e eficiente. O problema é que, em meio a um grande desencontro de informações, muitos voluntários ainda não conseguiram regularizar a sua situação, como a professora Mayara Galdino, de 27 anos. Natural de Fortaleza, Mayara já perdeu os cinco jogos que a cidade sediou até o momento em virtude do problema.

Ela afirma que, apesar de ter se inscrito no “Quero Vestir a Camisa”, não participou de nenhuma seleção e nem assinou contrato algum com as duas empresas – o que foi feito para o programa de voluntários.

Mayara conta como tem sido o processo, que se arrasta desde o dia 30 de maio. “Primeiro, os coordenadores do programa de voluntariado aqui de Fortaleza me instruíram a procurar a CSM para fazer o meu descredenciamento. Depois de ter feito essa solicitação, consultei a empresa mais uma vez, para saber como andava o processo, obtendo a resposta de que os dados tinham sido enviados ao COL (Comitê Organizador Local), que era quem podia me cadastrar corretamente. Quando consultei o COL, me disseram que, no sistema, eu ainda aparecia como prestadora de serviço para a CSM. Depois de muitas ligações e e-mails enviados, recebi, no dia 19, a confirmação da empresa de que eu estava descredenciada desde o dia 13, e que agora só dependia do COL. Após várias ligações para eles sem ter o problema resolvido, fui avisada que não valeria mais a pena tirar a credencial, uma vez que a Copa já tinha começado”, afirmou. “É muita incompetência.”

Já Márcio Amaro, de 41 anos, apareceu como cadastrado na CSM mesmo sem ter se inscrito no “Quero Vestir a Camisa”. O carioca afirma que processará a CSM pelo fato de a empresa ter tido acesso aos seus dados sem a sua permissão. Apesar de ter conseguido tirar a sua credencial a tempo para trabalhar no Mundial, Márcio também entrará na Justiça contra a empresa por danos morais. “Sou professor de uma escolinha de futebol aqui no Rio, perdi tempo e atividades profissionais para participar do processo”, desabafou. “Foi um desgaste muito grande até ter conseguido tirar a credencial.”

Para o advogado Sandfredy Gurgel, especialista em Direito do Trabalho e Cível, é possível processar o Comitê Organizador Local por danos morais pela demora na confirmação do cadastro. “A Copa do Mundo é um evento muito importante. É criada grande expectativa nos voluntários pela aprovação após todo o processo seletivo”, disse.

Sandfredy também explicou os motivos que levaram o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro a entrar com liminar na Justiça pedindo a contratação e a assinatura da carteira de trabalho de todos os voluntários da Copa. “Segundo a Lei 9.608, a entidade que promove o trabalho voluntário não pode ter fins lucrativos, o que, certamente, não é o caso da Fifa”, afirmou. “Também acredito que a lei está sendo deturpada.”

PELA FIFA – No Comitê Organizador Local, a posição é de que os incidentes são isolados e que, de uma forma geral, o programa tem sido um “sucesso”. Tanto a Fifa quanto o COL negam que esteja acontecendo uma debandada de voluntários e que o número de pessoas envolvidas no processo está “dentro do esperado”.

Quanto à questão trabalhista, a Fifa e o COL se defendem e apontam que todos os voluntários sabiam exatamente das condições do serviço. As regras estão esclarecidas na Lei Geral da Copa e cada um dos voluntários foi obrigado a assinar um termo de compromisso indicando que ele aceita as normas estabelecidas. (Jamil Chade e Pedro Hallack/Agência Estado)