PF conduz prefeito para explicar sumiço de R$10 milhões em 13 meses

Ex-presidente da Assembléia e prefeito de Canapi foi afastado

A Polícia Federal (PF), em parceria com o Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL), detonou a Operação Triângulo das Bermudas no interior do Estado, na madrugada desta sexta-feira (29). O alvo principal da ação policial é o prefeito de Canapi, Celso Luiz Tenório Brandão (PMDB), ex-presidente da Assembleia Legislativa, que foi conduzido coercitvamente para a Superintendência da PF, em Maceió, em decorrência da apuração de um desvio que ultrapassa o montante de R$ 10 milhões dos cofres do município sertanejo, em apenas 13 meses, desde janeiro de 2015 a fevereiro deste ano eleitoral de 2016. Momentos após a operação, o prefeito e outros cinco alvos da ação policial também foram atingidos por decisão do juiz João Dirceu Soares Moraes, da Comarca de Mata Grande, que determinou o afastamento dos acusados de seus cargos, pelo prazo de 180 dias, e tornou seus bens indisponíveis. 

Além de conduzir o pré-candidato à reeleição, Celso Luiz, para prestar depoimento de forma coercitiva, a PF cumpriu 13 mandados de busca e apreensão e outro mandado de condução coercitiva, expedidos pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), nas cidades de Maceió, Canapi e Mata Grande.

Celso Luiz é velho conhecido da Polícia Federal. Foi preso em 2007 na Operação Taturana, que desbaratou uma quadrilha que desviou de R$ 300 milhões da Assembleia Legislativa de Alagoas, parte desse montante, durante o período em que o ex-deputado foi presidente da Mesa Diretora. Foi condenado em primeira instância, mas recorre em liberdade. 

Para o procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá, a reincidência de Celso Luiz teria relação com a crença na impunidade. “É a certeza da impunidade. A Taturana ocorreu há quase nove anos, o Ministério Público agiu propôs ações, todos os acusados foram condenados e interpuseram vários recursos, muitos deles meramente protelatórios. Mas, alguns desses processos hoje estão no Tribunal de Justiça aguardando data para julgamento e o MP está pedindo a manutenção da condenação de todos, inclusive de Celso Luiz. O MP e a PF estão unidos para erradicar a corrupção em Alagoas, que está desenfreada em alguns órgãos da administração pública, o que não vamos tolerar. São muitos elementos de convicção que revelam o descalabro na Prefeitura de Canapi”, disse o procurador Sérgio Jucá, em entrevista à Rádio Gazeta AM.

O nome da operação é uma alusão aos municípios de Canapi, Inhapi e Mata Grande, que formam um triângulo no mapa do Estado e sofrem influência do grupo político investigado. O Triângulo das Bermudas original é uma área no globo terrestre, situada nas imediações de Miami,Porto Rico e Bermudas, em que frequentemente ocorrem desaparecimentos repentinos de navios e aeronaves, tal qual o “sumiço” dos R$ 10 milhões das contas bancárias da Prefeitura de Canapi.

O descalabro e a eleição

De acordo com nota oficial publicada pela PF, os R$ 10 milhões desviados fazem parte de um total de quase R$ 18 milhões em recursos do antigo FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), depositados pela União nas contas da Prefeitura em 2015, por força de determinação da Justiça Federal (inscrição em precatórios). 

O delegado da PF, Bernardo Gonçalves de Torres, responsável pela operação, foi duro ao comentar a falta de desfarçatez da quadrilha, que não se preocupava em elaborar maiores tramas para desviar os recursos. "Foi roubo na mão grande, na cara dura. Esse dinheiro foi simplemente transferido das contas da Prefeitura para as contas de pessoas ligadas a gestores municipais, esposa de secretário, laranjas, sem qualquer preocupação de se forjar uma licitação ou contrato. Deveria servir para o desenvolvimento da educação no municípios de Canapi. Seria possível garantir uma educação de ponta, afinal, são R$ 18 milhões para 18 mil habitantes", indignou-se o delegado federal, durante a coletiva de imprensa.

O restante do dinheiro que sobrou do desvio, R$ 7,1 milhões de reais, foi bloqueado por determinação da Justiça Estadual após ação interposta pelo Ministério Publico de Alagoas. Porém o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu na última quarta-feira (27) o bloqueio do recursos, autorizando os investigados a voltar a ter acesso ao dinheiro que restou da prática ilegal.

A ação cautelar para evitar a dilapidação do patrimônio foi proposta logo em seguida contra o prefeito Celso Luis Tenório Brandão; Carlos Alberto dos Anjos Silva, secretário Municipal de Finanças; Jorge Valença Alves Neto, secretário de Assuntos Estratégicos; Chaplin Iachdneh Varejão Pascoal de Oliveira, chefe de Divisão de Execução Orçamentária da Prefeitura de Canapi; Francisco Barbosa da Silva, controlador Interno; e Lucileide Canuto dos Anjos Silva, servidora pública municipal. E foi ajuizada naquela mesma quarta-feira, pelo promotor de Justiça de Mata Grande, Cláudio José Moreira Teles, e os promotores de Justiça do Núcleo de Defesa do Patrimônio Público, José Carlos Castro, Napoleão Amaral Franco, Anderson Cláudio de Almeida Barbosa e Karla Padilha Rebelo Marques.

A representação original, formalizada há três meses, o denunciante apontava para o MP que o dinheiro teria sido depositado nas contas de Pedro Alves da Silva, Manoel Minervino de Farias, Cícero Inácio de Lima e Joel Belarmino Lima da Silva, todos com ligação política com Celso Luiz. E de acordo com a ação cautelar que motivou a operação, a trama criminosa teria o objetivo de financiar campanhas eleitorais de reeleição de Celso Luiz, em Canapi, e de seu filho, Luiz Pedro Bezerra Brandão, pré-candidato a prefeito de Mata Grande. 

Veja um trecho da ação cautelar que relaciona todos os beneficiados pelas transferências: 

“Nos surpreendeu bastante pela complexidade e pelo número de laranjas envolvidos. Um esforço muito grande nosso para precisar valores e sem dúvida é de chocar o tamanho do desfalque praticado”, comentou o promotor José Carlos Castro, durante a coletiva.

A investigação do esquema também identificou indícios de fraudes envolvendo a aquisição de fraldas descartáveis, merenda escolar, transporte escolar e o não repasse do dinheiro descontado a título de empréstimo consignado de professores remunerados com recursos do FUNDEB.

Os envolvidos estão sendo indiciados pelos crimes de associação criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e fraude a licitações. Se condenados, as penas podem chegar a até 34 anos de reclusão. 

Esquema com procurações

O MP afirma que também descobriu um esquema de procurações com o objetivo de desviar recursos públicos. Para isso, dois núcleos foram formados e o primeiro deles é comandado por Carlos Alberto dos Anjos da Silva, atual secretário de Finanças de Canapi. Por meio de comprovações nos cartórios de registro e notas, constatou-se que ele foi constituído “procurador com poderes ilimitados” para representar e movimentar as contas correntes ou poupança de Pedro Alves da Silva e Lucileide Canuto dos Anjos Silva. Esta última, esposa do secretário. Eles receberam, em apenas 13 meses R$ 1.723.427,06 e R$ 886.375,67, respectivamente, de acordo com o MP.

Pedro Alves da Silva, para ter sido beneficiado com esse pagamento, precisaria ser dono de dois tratores de esteira 7D, dois caminhões Volvo FG440 e um caminhão Mercedes Benz 1418, veículos que constam nos contratos. Mas o intermediário do acesso aos recursos é, na verdade, vendedor de picolé. "É pessoa notoriamente pobre, que subsiste à custa de parcos recursos oriundos de um benefício previdenciário. Sua família é também beneficiária do programa Bolsa Família”, alega o MP.

À Polícia Federal, o vendedor de picolés confirmou que jamais chegou em suas mãos qualquer centavo dos R$ 1,7 milhão montante. “É agricultor; tem pouca leitura; mal sabe assinar o nome; recebe um benefício social do INSS; abriu uma conta no Banco do Brasil há muito tempo quando trabalhou na Prefeitura de Mata Grande como vigia; nunca foi dono de construtora; nunca foi dono de locadora de veículo; nos meses de dezembro de 2015 e janeiro e fevereiro de 2016 não prestou nenhum serviço para o município de Canapi; nunca recebeu dinheiro da Prefeitura de Canapi; chegou ao conhecimento do declarante que foram depositados mais de R$ 600.000,00 em sua conta; nunca recebeu esse dinheiro”, diz um trecho do termo de declaração prestado por Pedro Alves da Silva, divulgada pela assessoria de imprensa do MP.

A mulher do secretário que recebeu R$ 886 mil pelo aluguel de um caminhão VW ao Executivo possui com única atividade remunerada conhecida o salário de professora da rede municipal de Canapi. De acordo com o MP, Lucileide não é titular de qualquer empresa registrada em seu nome. "Em sua movimentação financeira, inexistem quaisquer registros que indiquem ter a mesma adquirido veículos de grande porte. Ou seja, com supedâneo no rastreamento e cotejo de todas as informações relativas à beneficiária, depreende-se, sem maiores dificuldades, que os argumentos utilizados pela Prefeitura para justificar os vultosos repasses de dinheiro público do município são fantasiosos e absolutamente inconsistentes, posto que não resistem a uma análise ainda que superficial dos documentos disponíveis”, revela ação.

Dono de mercadinho em Canapi, o secretário Jorge Valença Neves Neto é o outro homem com poderes de procuração. Segundo apurado pelo MP, há também informações de que emprestaria dinheiro a juros, exercendo assim a atividade de agiotagem. Ele teria emprestado dinheiro para o custeio da última campanha a prefeito de Celso Luis. E aparece como procurador de oito pessoas apontadas como “laranjas” pelo Ministério Público. José Santos Silva seria um deles e, da sua conta, o denunciado teria movimentado R$ 806.656,98 pela suposta locação de um carro-pipa ao Município. Mas ele é dono apenas de uma caminhonete GM/Chevrolet D10 e de um Fiat Uno Mille.

“Está-se diante de um escandaloso esquema destinado a desviar recursos públicos. Os fortes indícios apontam para o uso desses recursos desviados do município para o custeio de campanhas políticas e para o enriquecimento ilícito dos envolvidos e de terceiros, de acordo com os interesses do chefe maior do esquema, o prefeito de Canapi, Celso Luiz.Indícios apontam para o seu uso em campanhas políticas para prefeito. Possivelmente em razão da caótica situação vivenciada em Canapi, Celso Luiz parece estar mais dedicado ao investimento na pré-campanha política de seu filho para prefeito de Mata Grande, já que, até bem pouco tempo, Luiz Pedro era um ilustre desconhecido no cenário político, o que exigiu do seu pai, político veterano e traquejado em disputas eleitorais no Sertão, pesados investimentos financeiros, já com ares de verdadeira campanha política (apesar da extemporaneidade)”, afirmam os promotores de Justiça autores da ação cautelar ajuizada.

Produção de provas prossegue

Com o ajuizamento da ação cautelar preparatória de ação civil de responsabilidade por atos de improbidade administrativa, contra Celso Luiz e mais cinco servidores públicos, o MP garante o prosseguimento das apurações, robustecidas pelas apreensões resultantes da Operação Triângulo das Bermudas. Para esse avanço, além do afastamento dos gestores dos cargos no município, também foi solicitada à Justiça a quebra dos sigilos bancários, fiscais e telefônicos dos envovidos, já atendida, para apurar a transferências ilegais realizadas para contas de pessoas físicas que jamais prestaram serviços ao Poder Executivo.

Segundo o MP, haveria indícios de produção de verdadeira fantasia documental com o fito de se criarem dificuldades à elucidação dos fatos. "A persistirem no livre exercício de seus cargos, ter-se-á um desfalque nos cofres públicos ainda mais profundo, já que a torneira continuará a fazer sangrar recursos do município. […] ”, argumentou o MP.

Segundo a assessoria do MP, o ponto de partida para o início da apuração foi uma representação formulada à Promotoria de Justiça de Mata Grande, datada de 15 de abril deste ano, em que o denunciante aponta para “práticas ilícitas dentro do município de Canapi, envolvendo malversação de recursos públicos”. Ilegalidades estas que estariam ocorrendo há três anos e incluíam “transferências on-line injustificadas de recursos das contas da Prefeitura para terceiros beneficiários, a título de DOCs e TEDs”, de origem municipal e da União. 

As informações foram compartilhadas com a Polícia Federal que constatou prática criminosa naquela Prefeitura. 

O Diário do Poder tentou contato com o prefeito Celso Luiz, mas este não atendeu seu telefone celular, provavelmente porque ainda estaria sendo interrogado por promotores de Justiça e delegados federais, no final da manhã desta sexta. Mas o acusado decidiu permanecer calado diante das autoridades.

(Com informações da Assessoria do MP de Alagoas)