Novo status das Forças Armadas põe em xeque credibilidade da PM

'Procuram-se inimigos para o Exército brasileiro', sugere Economist

Conhecido pelo pacifismo diplomático, o Brasil tem demonstrado crescente tendência a recorrer às Forças Armadas para a execução de atividades de defesa nacional. Grosso modo, a trindade militar é responsável pelo plano de defesa externa do país. Em análise, a revista "The Economist" sugere que o novo status policial conferido às tropas tupiniquins pode fazer com que a população passe a dar cada vez menos valor a instituições como a PM.

O Exército, inclusive, é responsável por operações voltadas à “Garantia da Lei e da Ordem”. No ano passado, por exemplo, as Forças Armadas marcaram presença na Rio 2016. A história se repetiu em junho deste ano, em Brasília, após depredações a órgãos da Esplanada dos Ministérios por parte de vândalos, durante protestos contra o pacote de reformas econômicas proposto pelo Planalto.
 
Conforme aponta a "Economist", o envolvimento de infantaria em atividades de policiamento ostensivo representa uma problema. "Ainda que menos de 20% dos pedidos de envios de tropas federais sejam atendidos, esse tipo de operação representa fatia crescente na carga de trabalho do Exército. No ano passado, os soldados brasileiros passaram 100 dias patrulhando as ruas de algumas cidades do país, o dobro do tempo em que haviam feito isso ao longo dos nove anos anteriores", relembra o texto do artigo.
 
A maioria dos brasileiros não parece se incomodar com a tendência a nova tendência… O relatório ‘Índice de Confiança na Justiça’, produzido pela Escola de Direito de São Paulo da FGV, aponta que o índice de confiança no Poder Judiciário (29%) fica atrás das Forças Armadas, que lidera o ranking, com 59%. "A alta hierarquia militar diz que, nas condições atuais — com uma tropa pouco qualificada, mal equipada, executando com frequência cada vez maior funções de policiamento de rotina — as Forças Armadas brasileiras não têm como cumprir os objetivos que lhes são atribuídos pelas autoridades civis", reflete a publicação.
 
Leia trechos da análise abaixo. O texto em inglês está disponível aqui.
 
Poucos lugares evidenciam tão bem o papel desempenhado atualmente pelo Exército brasileiro como Tabatinga, cidade de 62 mil habitantes situada na fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. A região protegida pela Floresta Amazônicapermanece em paz desde que, no século 18, os colonizadores portugueses construíram ali um forte, que hoje se encontra em ruínas. Porém, o comandante local, Júlio Nagy, revela se precupar com outros tipos de ameaças. Em fevereiro e março, as tropas comandadas por ele interceptaram 3,7 toneladas de maconha. No ano passado, eles destruíram uma pista de pouso construída por mineradores ilegais de ouro. No interior de um pequeno zoológico administrado pelo Exército, morada de tucanos e até um peixe-boi, é possível ouvir os gritos de araras resgatadas das mãos de traficantes de animais.

O último ataque a uma grande cidade brasileira ocorreu em 1711, quando o Rio esteve por alguns dias sob o domínio de um corsário francês. Um documento oficial do Exército afirma que, “no momento, o Brasil não tem inimigos”. Na ausência de vizinhos beligerantes ou insurreições armadas, e sem cultivar ambições no exterior, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, admite que as Forças Armadas do País “não exibem os atributos militares típicos”.

Contudo, estrategistas brasileiros garantem que a falta de adversários militares não é justificativa para economizar nos gastos com a Defesa. A alta hierarquia militar diz que, nas condições atuais — com uma tropa pouco qualificada, mal equipada, executando com frequência cada vez maior funções de policiamento de rotina — as Forças Armadas brasileiras não têm como cumprir os objetivos que lhes são atribuídos pelas autoridades civis.

Os militares têm competência legal para atuar preventiva e repressivamente numa faixa de 150 km das fronteiras terrestres. Quadrilhas internacionais há muito atuam nessas áreas: estacionado junto ao zoo de Tabatinga, há um avião cargueiro que se diz ter pertencido ao traficante Pablo Escobar. 

Em 2015, os brasileiros abandonaram iniciativa conjunta com a Ucrânia para a construção de um veículo de lançamento de satélites. O submarino nuclear que o País começou a construir em 2012, a um custo de R$ 32 bilhões, está longe de ser concluído. O único porta-aviões de que a Marinha brasileira dispunha, que vivia no estaleiro, foi aposentado de vez em fevereiro.

Em períodos de austeridade, até operações rotineiras sofrem com a escassez de recursos. Uma unidade militar de fronteira, em Roraima, recebe suprimentos apenas uma vez por mês, enviados por um avião da FAB. Em razão disso, seu comandante, o general Gustavo Dutra, é obrigado a contar com os serviços de uma transportadora aérea privada, cuja hora de voo custa R$ 2 mil. Em janeiro, o Exército foi acionado para debelar um motim em uma penitenciária do Estado. Com as finanças estaduais em petição de miséria, o general Dutra teme que seus homens tenham de entrar em ação novamente em breve.