Morte com 27 facadas no rosto ilustra tragédia de 3,7 mil alagoanas

Campanha do MP de Alagoas combate violência contra a mulher

No mesmo dia em que a polícia alagoana prendeu um acusado de agredir e abusar sexualmente de duas mulheres surdas com quem vivia, em Maceió, o Ministério Público Estadual de Alagoas (MP/AL) lançou, nessa terça-feira (1º) uma campanha para chamar atenção para o assunto da violência doméstica contra a mulher e alerta para a importância da denúncia contra os agressores.

A campanha "Agosto Lilás" se estenderá por todo este mês, ocupará plataformas multimídias e mostrará o envolvimento de promotores, procuradores de Justiça e servidores da instituição, e de autoridades, personalidades e artistas alagoanos, todos, engajados com a causa.

Somente no ano de 2016, o Ministério Público de Alagoas registrou 3.699 casos de violência contra a mulher sob a forma da Lei Maria da Penha, no Estado. Em Maceió, foram 794 casos. Agora em 2017, o número de denúncias já chega a 455.

Há 10.284 procedimentos tramitando atualmente na 38ª Promotoria de Justiça da Capital, que tem atribuição para atuar no combate e prevenção à violência doméstica e familiar contra a mulher. Desse total, 5.656 já se tornaram processos penais e os outros 4.628 registros são medidas protetivas concedidas pelo Poder Judiciário, requisição de relatórios e inquéritos policiais, sob análise.

O caso recente de maior repercussão no Estado envolve duas deficientes auditivas e o jovem Lucian Ferreira, que foi preso por agredir e ameaçar com uma faca a esposa e sua amiga, com quem vivia, além de cometer abusos sexuais contra ambas, sob o pretexto de descobrir uma traição que ambas negam ter existido. 

Entre os que contribuíram com o projeto, estão o humorista Ed Gama; o cantor e compositor Wado; o presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, Otávio Leão Praxedes; o servidor do MP, João Rodrigo; e o empresário Thiago Casado, o “Careca”.

No próximo sábado (5), uma tenda será montada na Rua do Comércio e o procurador-geral de Justiça, promotores de Justiça e servidores do MPE/AL vão distribuir cartazes e panfletos e conversar com a população sobre a importância da denúncia contra os homens que praticaram as mais diferentes formas de agressão. Inclusive, a foto que está nas artes produzidas pelo Ministério Público é de uma servidora da instituição, Isadora Aguiar, que aceitou emprestar seu rosto ao material gráfico da campanha por entender que a causa merece o engajamento de todos. Na ocasião, serão distribuídos laços lilases com o público.

RETRATO DA TRAGÉDIA

Em vídeo institucional em que o procurador-geral de Justiça pede que as mulheres não esperem que a violência aconteça mais uma vez, e em material de divulgação destinado à imprensa, o MP de Alagoas destaca depoimentos de vítimas da violência, bem como de Júlia Mendes, irmã de Joana Mendes, assassinada com 27 facadas no rosto pelo ex-companheiro, em 2016. “Ela não enxergava que aquele relacionamento era perigoso. Tenha coragem, denuncie”, disse Júlia, ao relatar o caso da irmã, cujo caixão precisou ficar fechado, no sepultamento, porque a professora estava desfigurada.

Assista: 

Os tipos de crimes cometidos também são muitos. Ameaça, lesão corporal, feminicídio e tentativa de feminicídio, estupro, crimes contra honra e a liberdade de expressão e dano são apenas alguns deles. Neste ano, por exemplo, entre as denúncias ofertadas 217 foram por ameaça e 208 por lesão corporal, o que corresponde a 47,69% e 45,71% dos casos que chegaram à 38ª Promotoria de Justiça da Capital. Feminicídio na forma tentada foram cinco denúncias já feitas.

“Esse é o tipo de violência de gênero, onde o homem agride porque sabe que é mais forte que a mulher. Muitas vezes, é para mostrar poder sobre ela. Mas o Ministério Público trabalha incansavelmente para punir esse agressor. Denuncia, pede a sua condenação e mostra para a sociedade que a mulher não está sozinha”, declarou Alfredo Gaspar de Mendonça Neto, procurador-geral de Justiça.

AÇÃO DO MP

Pela legislação, configura-se violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão, baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. O Ministério Público tem atribuição para atuar em qualquer uma dessas situações e é a 38ª Promotoria de Justiça da Capital, cuja titularidade pertence a promotora de Justiça Maria José Alves, que tem atribuição para trabalhar nessa área.

“Não há perfil de vítima. A violência contra a mulher está presente em todas as classes sociais, independentemente de nível cultural, econômico-financeiro, raça, credos. A falsa impressão de ser o número de casos mais elevados nas classes menos privilegiadas se dá porque, por óbvio e em função da desigualdade social, a quantidade de pessoas nesse segmento social é muito mais elevado”, explicou a promotora.

A promotora de Justiça também lembrou que a Lei Maria da Penha oferece maior segurança à vítima a partir do momento que não existe mais a facilidade do agressor se ver livre de uma punição. “Há, sim, vítimas que desejam desistir. Porém, isso não mais ocorre pelo simples fato da mulher desistir da ‘queixa’. Só é possível exercer o direito de retratação ou de renúncia à representação em alguns casos, a exemplo de ameaça, ilícito previsto no artigo 147 do Código Penal”, esclareceu.

A Promotoria de Combate e Prevenção à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher também é um mecanismo de ajuda. Ela funciona junto ao Juizado que tem a mesma competência e está localizada na Praça Sinimbu, nº 119, no Centro de Maceió.

A campanha Agosto Lilás do Ministério Público vai reunir uma série de atividades e será compartilhada com o público por meio de diversas plataformas digitais e pelas redes sociais da instituição: Facebook.com/mpalagoas, Twitter: @mpeal, Instagram: mpealagoas e YouTube: MPdeAlagoas.

RELATO DAS VÍTIMAS

Júlia Mendes, irmã Da professora Joana Mendes

“Desde o princípio nós percebemos que aquela relação era estranha. Com poucos meses de namoro, ele tatuou o rosto da Joana no corpo. O tempo foi passando e ela não conseguia enxergar que aquele relacionamento era abusivo. Até que começaram as agressões, que, depois, passaram a acontecer na mesma casa onde estavam os filhos dela. O mais novo, filho dele também. E aí veio o crime, que foi premeditado. Ele saiu de casa uma peixeira e esfaqueou a minha irmã por 34 vezes no rosto, desfigurando-a por completo. Joana morreu em função da grande quantidade de sangue que perdeu. Nós não vamos descansar até que ele pague pelo homicídio bárbaro que cometeu”

Simone, viveu numa relação doentia por três anos

“Ele começou com as agressões psicológicas, sempre me diminuindo, humilhando-me. Na sequência, vieram as físicas. Chegamos a nos separar, mas ele sempre pedia desculpas e prometia mudar. Eu acreditava. Só que a violência voltava a acontecer. Comecei a me drogar junto com ele para suportar aquela vida. Entre idas e vindas, eu engravidei. Num dia, depois de estar sob o efeito de drogas, ele me bateu até eu abortar. Foi horrível, uma das piores dores que senti na vida, dor física e dor na alma. A gente se separou, e voltou tempos depois, até que, numa nova briga, ele jogou um pedaço de vidro em cima de mim, o que provocou um corte profundo e 13 pontos. Depois disso, criei coragem e afastei aquele homem de mim”

Roberta viu a relação ir do encantamento, ao espancamento

Ele era um príncipe. Todas as minhas amigas tinham inveja e diziam que queriam um homem igual ao meu. Foi tudo perfeito até o nascimento do nosso primeiro filho. Com a chegada de novas responsabilidades, as farras e noitadas foram diminuindo e ele começou a reclamar. Passou a sair muito sozinho e vivia dizendo que eu tinha mudado para pior e que ninguém mais me suportava porque eu havia me tornado uma mulher chata. Começaram as discussões e eu já não tinha mais um companheiro. Ele passou a cheirar cocaína e, num determinado dia, chegou drogado e me espancou, na frente do nosso filho. Eu saí de casa às pressas e fui denunciá-lo. Hoje ele responde pelo crime que cometeu”

R.R. sofreu 1º trauma ainda adolescente, com o primeiro namorado

“Estávamos num evento do colégio e ele me convidou para ir à casa de uns amigos. Falei que meus pais não iriam deixar, mas ele me convenceu, prometeu voltar a tempo. Paramos em frente a um motel e ele disse que queria entrar e me assegurou que não faria nada que eu não quisesse. Porém, lá dentro, não foi isso o que aconteceu. Ele tinha muito mais forças do que eu, segurou-me pelos braços e me estuprou. Pensei em gritar, entretanto, acho que seria difícil alguém me ouvir. Foi horrível. Esse fantasma me perseguiu por muito tempo, passei anos sem conseguir ter uma relação sexual normal porque, cada vez que um namorado me segurava com um pouco mais de força, eu já começava a gritar. Até no meu parto, quando um dos médicos pressionou minhas mãos, eu tive uma crise” (Com informações da Comunicação do MP de Alagoas)