Ministro responde a nove ações por desvio de R$ 43 milhões da educação

Atual ministro é acusado de fraudar 49 licitações em 2 anos

Alvo do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal em Alagoas, o ministro do Turismo Marx Beltrão responde a nove ações por improbidade administrativa, em decorrência da Operação Suseranos, deflagrada em 2012 pela Polícia Federal, em conjunto com a Controladoria Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU) e o MPF.

As ações civis que tramitarão sem a blindagem do foro privilegiado foram ajuizadas entre os dias 11 e 22 de dezembro de 2017, contra o esquema montado na administração de Marx Beltrão na Prefeitura de Coruripe (AL), que destinou mais de R$ 40 milhões a empresas contratadas fraudulentamente, apenas entre os exercícios de 2011 e 2012.

O MPF divulgou as informações sobre os nove processos na manhã desta terça-feira (09), após o ministro alagoano negar envolvimento com o esquema e sugerir motivações eleitorais para ter sido alvo de reportagem do Fantástico, no quadro “Cadê o dinheiro que estava aqui?”, no domingo (07).

As ações denunciam 29 pessoas físicas e mais de 25 empresas, envolvidos em fraudes a licitações, má administração de recursos públicos federais da educação, lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva, ocorridas no município de Coruripe, consumindo recursos para o ensino público, merenda escolar e transporte escolar. Os valores atualizados do montante envolvido no esquema alcançam R$ 43 milhões.

O ex-prefeito Marx Beltrão e a sua irmã, que é ex-secretária municipal de educação e prefeita de Jequiá da Praia (AL), Jeannyne Beltrão (PRB), são objeto das nove ações por improbidade. Já o então diretor de compras Francisco Beltrão e a procuradora municipal Carla Beltrão respondem a oito das ações. Enquanto outros servidores públicos municipais, empresários e empresas que atuaram em conjunto para fraudar licitações, desviando recursos públicos federais da educação, respondem pela respectiva participação em cada caso concreto.

O MPF diz ter provas que apontaram para o envolvimento de toda a cúpula da gestão municipal num esquema de montagem de processos licitatórios envolvendo recursos do Fundo de Manutenc?a?o e Desenvolvimento da Educac?a?o Ba?sica e de Valorizac?a?o dos Profissionais da Educac?a?o (FUNDEB), do Programa Nacional de Alimentac?a?o Escolar (PNAE) e do Programa Nacional de Transporte Escolar (PNATE).

E o TCU identificou a falta de comprovação documental de inúmeros pagamentos, que corresponderam ao expressivo montante de R$ 10.025.777,98. Ou seja, mais de R$ 10 milhões foram pagos diretamente pela Prefeitura sem que houvesse comprovação da devida prestação do serviço ou fornecimento do produto, sem qualquer vinculação a um processo administrativo.

49 LICITAÇÕES

As ações são resultantes da análise de 49 processos de licitação pelos órgãos federais e ministerial de fiscalização, em consequência da Operação Suseranos. Em todos eles foram identificadas irregularidades, com destaque para a total ausência de concorrência entre empresas, que se mostraram siamesas na administração e representação.

Os processos atacam diversas irregularidades, tendo sido necessária a divisão em blocos referentes aos objetos licitados. Verificou-se que 19 empresas, que deveriam concorrer entre si, possuíam o mesmo contador e venceram 85% das licitações analisadas; 14 delas, o mesmo telefone de contato; que era o telefone instalado no escritório do contador e também o número registrado em nome de mais cinco pessoas físicas, inclusive a esposa do Diretor de Compras do município; 5 empresas apresentavam o mesmo endereço cadastrado, que também era do escritório do contador, sem qualquer placa de indicação de funcionamento destas ou outras empresas no local.

O grupo de demandados, inclusive os agentes públicos à época dos fatos, controlavam as empresas envolvidas nas fraudes.

LARANJAL EXTENSO

O MPF destaca ainda que o esquema envolveu a participação de diversos laranjas, dentre eles funcionários da própria prefeitura, como um vigia e um gari, bem como outras pessoas de origem humilde, inclusive beneficiários de programas sociais ou parentes dos líderes do esquema, como é o caso das esposas do Diretor de Compras de Coruripe e do contador das 19 empresas participantes.

O então Diretor de Compras de Coruripe, Francisco Beltrão, primo do prefeito à época, controlava efetivamente, ao lado do contador e de outros demandados, a maioria das empresas participantes. Inclusive foi sócio formal de algumas delas antes e durante as licitações analisadas.

Segundo os autos dos processos, três das empresas que receberam recursos da Prefeitura foram registradas em nome de um mecânico de jet sky, mas eram controladas de fato pelo marido da Procuradora do Município, também prima do então prefeito. A Procuradora emitiu parecer em todos os processos de que participaram essas empresas, inclusive respaldando juridicamente a contratação de uma delas.

O servente de pedreiro José Claudio dos Santos disse ao Fantástico que entregou documentos para a suposta quadrilha, imaginando que seria para obter um emprego. Ele está há dois anos desempregado, fazendo bico. “Era um emprego. Eu não sabia que era negócio de empresa, não”, disse o servente, usado como laranja no esquema.

Nas sedes de algumas empresas participantes foram encontrados diversos materiais referentes a empresas que chegaram a atuar como concorrentes entre si, como carimbos e papeis timbrados em branco.

Foram encontrados inúmeros documentos em branco das empresas participantes das licitações nas sedes da Secretaria de Educação e de Finanças do município, a exemplo de propostas, declarações, notas fiscais, recibos e outros. Na capa de muitos processos havia, inclusive, bilhetes manuscritos indicando itens “faltando” nos processos, como “assinatura do prefeito” e outras assinaturas, citando o nome da pessoa que deveria assinar. Alguns deste bilhetes continham itens já cumpridos e por isso já cortados.

Segundo as ações, várias fraudes foram identificadas nos procedimentos licitatórios, algumas delas de muito fácil constatação, a exemplo da apresentação de propostas por empresas diferentes com os mesmos erros de cálculo (copiando e colando o mesmo resultado final quando os itens a somar ou multiplicar eram diferentes); também se verificou a inclusão no processo, claramente montado, de documento de identificação expedido em data posterior à data de realização/conclusão do próprio certame.

Boa parte dos cheques relativos aos recursos, que deveriam ser destinados àquelas empresas, foram recebidos, inclusive mediante assinatura em livro de protocolo específico, não pelos representantes das empresas, mas por membros do grupo, especialmente pelo Diretor de Compras e por um empresário, que já atuou como servidor da Prefeitura de Coruripe, Walter Amaral.

Outros cheques foram endossados pelos representantes formais das empresas e sacados por um então funcionário da Secretaria de Finanças, Diego Calixto, cuja evolução patrimonial chamou a atenção dos investigadores.

‘AÇÕES ELEITORAIS’

Deputado federal licenciado pelo PMDB e candidato a senador, Marx atribuiu a denúncia a uma alegada reação contra sua pré-candidatura ao Senado, cujo projeto político prega renovação, contra as força do continuísmo. Nos bastidores e redes sociais, seus assessores tentaram atribuir a reportagem da TV Globo e as denúncias do MPF ao seu aliado/adversário senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que é candidato à reeleição.

Em nota enviada à TV Globo, a prefeita Jeanine Beltrão negou qualquer irregularidade à época em que esteve à frente da Secretaria de Educação de Coruripe. Ela ressaltou que não responde a processo ou inquérito relativo a verbas do Fundeb. E disse estranhar o fato de, depois de cinco anos de investigação, o fato ressurja no ano eleitoral, quando seu irmão Marx Beltrão é um dos pré-candidatos a senador, com proposta de renovação política.

O Diário do Poder tentou obter do ministro uma posição a respeito das nove ações de improbidade. Mas sua assessoria orientou a divulgar a seguinte nota, publicada no dia seguinte à publicação da reportagem do Fantástico:

Em relação à reportagem veiculada no Fantástico deste fim de semana, cabe esclarecer que Marx Beltrão não responde a qualquer inquérito relativo à investigação citada na matéria. Vale ressaltar que quase cinco anos após o início da investigação nenhuma denúncia foi apresentada. É importante ressaltar, em sua gestão à frente do município a educação pública se tornou uma referência em Alagoas, tendo obtido a maior nota estadual pelo IDEB.

Por último, Marx Beltrão defende que os fatos sejam apurados com correção e sem interferência política. Ele reafirma o seu compromisso com a ética e as boas práticas de gestão e garante que não irá se acovardar diante de acusações infundadas na tentativa de confundir a sociedade em ano eleitoral.

A reportagem não conseguiu contato com os demais envolvidos. (Com informações da assessoria do MPF em Alagoas)