Consórcio quer devolver ao governo contrato bilionário

Projeto de linha de transmissão de energia enfrenta resistências indígenas

Brasília – Duas semanas atrás, houve uma reunião tensa no Ministério de Minas e Energia (MME). Em um encontro com o secretário executivo, Márcio Zimmermann, diretores da Eletronorte e da Alupar, sócias em um projeto de transmissão de energia de R$ 1,1 bilhão, disseram que analisavam a possibilidade de devolver o contrato bilionário ao governo porque não tinham autorização para iniciar a obra, mais de três anos desde o seu leilão.

Durante a conversa, que foi acompanhada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), os empresários fizeram um último apelo ao governo para resolver o imbróglio. Caso contrário, não restaria outra saída, a não ser jogar a toalha e entregar a concessão.

O drama descrito em detalhes à cúpula do setor elétrico tratava do projeto de linha de transmissão previsto para ligar as capitais do Amazonas e de Roraima. A malha de 721 km, entre Manaus e Boa Vista, é a reta final de um sonho antigo do planejamento elétrico: ver o Brasil conectado por uma única rede de energia, o chamado Sistema Interligado Nacional (SIN). Com a linha, Roraima, o único Estado do País que ainda não foi plugado ao sistema, não terá mais de queimar diariamente milhares de litros de óleo diesel em usinas térmicas, nem depender da precária importação de energia da Venezuela para suprir o consumo da população. Acontece que o projeto virou mito.

Levantamento feito pelo Estado nas últimas semanas revela que o projeto que deveria simbolizar uma conquista para o setor elétrico transformou-se em um emaranhado de conflitos indígenas, confusão institucional e desperdício de dinheiro público.

A Transnorte Energia, consórcio formado pela Eletronorte e a Alupar, venceu o leilão da Aneel em setembro de 2011. Em janeiro de 2012, foi assinada a concessão, com a promessa de colocar a linha para funcionar em janeiro de 2015. A dois meses desse prazo acabar, o projeto não tem nem sequer licença prévia ambiental. Isso significa que nem mesmo sua viabilidade foi confirmada. Nada foi feito até hoje, nem há previsão de que a situação mude.

Traçado. O nó de toda a polêmica está no traçado escolhido para a linha. Dos 721 km da malha, 121 km passam dentro da terra indígena waimiri atroari, uma área de 26 mil km quadrados, maior que o Estado de Sergipe. Na terra indígena, espalhados em 31 aldeias, vivem 1.600 índios que não querem nem saber de linhas sobre as suas cabeças.

A troca de acusações é total. Ninguém assume a responsabilidade pela lambança. O consórcio alega que venceu o leilão para construir uma linha que teve o traçado previamente definido pelo governo. A Funai diz que o consórcio apresentou um relatório indígena que inviabiliza o próprio projeto e que outros traçados devem ser estudados. O Ibama declara que o único traçado viável é justamente o que foi a leilão e que outras três opções já estudadas exigiriam a abertura de estradas e canteiros de obra em “uma das regiões mais preservadas do Brasil”. O indigenista ligado aos waimiris atroaris, Porfírio Carvalho, diz que os índios não gostam do projeto, mas nega que a culpa seja deles. O MME não diz nada.

“Infelizmente, esses atrasos decorrem de ações dos próprios órgãos do governo, que extrapolam a competência e a capacidade de atuação. É a União contra a União”, diz Fabio Lopes Alves, diretor administrativo financeiro da Transnorte.

A tentativa mais recente de viabilizar a obra tem a participação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). O traçado atualmente previsto corre paralelamente à BR-174, que liga Manaus à Boa Vista e que, portanto, já passa pela terra indígena há mais de 30 anos. O acordo com o Dnit permitiria aproximar mais as torres da estrada. Em vez da distância de 500 metros, como se prevê, a rede seria instalada dentro da “faixa de domínio” do Dnit, a 40 metros do asfalto.

Compensação

A Funai aguarda ainda uma explicação do consórcio sobre como poderiam ser mitigados ou compensados os 27 impactos negativos e irreversíveis que a obra traria aos índios, conforme aponta o estudo contratado pelo consórcio. “A linha, uma vez pronta, tem impacto zero. Uma torre não se move, não vai até a aldeia, não dá choque”, diz Williams Carvalho Pereiro, diretor técnico do consórcio. “Temos feito tudo o que é possível para superar essa situação. O que vemos é que o Estado nem sequer pode garantir a viabilidade de seus empreendimentos.”

Em meio a tanta confusão, a Justiça Federal no Amazonas acatou uma ação do Ministério Público Federal que pode enterrar de vez o projeto. No início deste mês, declarou a anulação do leilão. A Transnorte e a Aneel informaram que ainda não foram notificadas, mas que devem recorrer da decisão. (André Borges/O Estado de S. Paulo)