Burocracia nega remédios para pacientes do SUS em Alagoas

Estado impõe martírio a doentes graves para fornecer remédios

A frieza da nota oficial da Secretaria de Estado de Saúde (Sesau) sobre o protocolo de distribuição de medicamentos a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) descartou qualquer mudança no martírio imposto a pacientes de doenças triviais como epilepsias, doença de Parkinson e doença de Alzheimer, para dar continuidade aos seus tratamentos em Alagoas, ao considerar infundadas as críticas do médico neurologista Fernando Gameleira divulgadas na imprensa alagoana há uma semana. Mas o Sindicato dos Médicos de Alagoas (Sinmed) se reuniu na noite desta segunda-feira (25) e decidiu denunciar formalmente aos órgãos de controle estaduais e federais a burocracia nociva à frágil saúde dos pacientes, que é executada pelo Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (Ceaf), antiga Farmex, com base em protocolos clínicos do Ministério da Saúde.

O neurologista Fernando Gameleira, que denunciou ao blog do jornalista Ricardo Mota a interrupção de tratamentos de pacientes como consequência da burocracia, considerou a resposta da Sesau vazia e que só mostra o quanto o problema é absurdo. É que a imposição de realização de exames complementares caros e inacessíveis à maioria da população alagoana é a pré-condição para pacientes continuarem a receber os remédios que já recebiam há muito tempo. E há registros de pacientes que têm abandonado tratamentos, ou se submetido ao sofrimento físico e psicológico com familiares.

“É uma resposta do tipo é assim porque é assim. Porque tem que cumprir ordens de Brasília. Mas essas ordens são absurdas”, disse Gameleira ao Diário do Poder, depois de chamar de lacaios e bajuladores os gestores da Famex, da Sesau e do Ministerio da Saúde.

Para o médico, as portarias do Ministério da Saúde seguidas pela Sesau, a exemplo da de número 1.554, de 30 de julho de 2013, e os protocolos clínicos que tratam da distribuição de medicamentos para Alzheimer foram definidas por 22 pessoas, das quais 16 não são médicos e ainda, dos seis médicos, nenhum é neurologista. O que não faz sentido algum na Medicina, além do ponto de vista meramente administrativo ou financeiro no atual cenário de crise.

“Essa repetição de exames também não encontra lógica em coisa nenhuma, porque quem sabe se pede exame ou não é o médico. E não pede com um intervalo tão curto assim, de três meses. O que se precisa fazer são as instituições questionarem o Ministério da Saúde, para que essas portarias sejam todas derrubadas. Porque não dá nem para reformular, de tão mal feitas que são. Senão, vai continuar isso. O SUS já não tem recursos e vai desperdiçar com exames de pessoas que não precisam, em detrimento de pessoas que precisam. E, algumas pessoas, que têm o quadro de  demência avançada, por exemplo, para fazer uma tomografia, têm que ser anestesiadas. O que prejudica a saúde da pessoa.

"Escória da Medicina"

Além do fim das portarias do Ministério da Saúde, o neurologista acredita que também deveriam acabar as chamadas Farmex, criadas para distribuir medicação excepcional para doenças de alto custo de tratamento.

“As Farmex não são necessárias, porque, se eu sou médico e indico medicação a alguém, até que se prove o contrário, essa prescrição está certa. Agora, se houver evidências de que a prescrição está errada, o médico tem que responder na Justiça. Mas não posso nem preciso ter um tutor, para o que eu fizer, alguém ter que checar. Se para cada médico tiver um outro para conferir se a conduta está certa, isso não funciona nunca. Você já não tem recurso e vai desperdiçar o pouco que tem! A Farmex não tem nem neurologista, como vai julgar o trabalho do outro? Como decidir, sem nunca ter examinado o paciente. Tá errado, e tem que acabar! Aquilo é a escória da medicina. O objetivo é dificultar e burocratizar”, protesta Gameleira, ao afirmar ter muitos pacientes que desistiram de se tratar.

Pacientes com Alzheimer, por exemplo, só recebem medicamento se apresentarem uma lista de 12 exames de alto custo, como tomografia computadorizada, ou o que mede a dosagem de vitamina B12. O primeiro é marcado apenas para um período de seis a oito meses após a solicitação na rede pública; já o segundo exemplo, não é realizado pelo SUS. Além disso, a manipulação da maioria dos pacientes idosos causa dor e sofrimento, agravando os problemas

“Final de março dizemos toda patologia dela e agora pediram novamente. O complicado é porque os exames machucam e ela chora. Sem contar que outros exames não temos como fazer”, explicou em reportagem da TV Gazeta a agente de viagem Quitéria Lima Malta, cuja mãe tem Alzheimer.

Com família pobre, Antônio Epifânio tem Parkinson e Alzheimer teve a doença agravada pela obrigação de cumprir a burocracia para poder receber o medicamento, segundo relato de sua filha, a professora Claudiene Silva, à mesma reportagem da TV afiliada à Globo.

Mobilização

Diante da explicitada ausência de interesse do Estado em pleitear alguma modificação dos protocolos do Ministério da Saúde, o neurologista Fernando Gameleira acredita que o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Regional de Medicina de Alagoas (Cremal) precisam se posicionar e atuar na resolução deste problema.

O presidente do Cremal, Fernando Pedroza, considerou positiva a mobilização de Gameleira e do Sinmed de Alagoas. Mas disse ao Diário do Poder que o tema somente deverá entrar em pauta do Conselho daqui a duas ou três semanas. “O Cremal ainda não tem posicionamento formal, mas, por princípio, damos todo o apoio à mobilização, que pode resultar na modificação dessa burocracia. É um tema oportuno”, afirmou Pedroza.

O documento elaborado pelo Sindicato dos Médicos de Alagoas para denunciar o caso deverá ser publicado até o final desta semana e encaminhado às autoridades.

O Ministério da Saúde também foi provocado a se posicionar sobre o tema. Mas até a publicação desta notícia, não havia respondido à mensagem enviada para a sua assessoria de imprensa.

Veja a nota da Sesau sobre o tema: 

A Assessoria Técnica da Assistência Farmacêutica Estadual esclarece que, ao contrário do que afirmou o médico Fernando Gameleira, em sua “Carta Desabafo”, todos os exames exigidos pelo Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (Ceaf), antiga Farmex, fazem parte da Portaria Nº 1.554, de 30 de Julho de 2013 e os Protocolos Clínicos foram estudados minuciosamente e elaborados pelo Ministério da Saúde, sendo posteriormente postos para consulta pública através do site da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), para que antes da oficialização, fossem avaliados e recebessem sugestões quanto a possíveis modificações.

É importante salientar que, além de atuar seguindo a legislação, o Ceaf passa periodicamente por auditorias do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUAS), que analisa os processos avaliados e observa se eles estão em cumprimento com os Protocolos aprovados pela Conitec. Com isso, não cabe aos técnicos do Ceaf incluir ou excluir exames já incorporados nos protocolos, que apesar de não serem gerenciados por esta unidade, são disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A Assessoria Técnica da Assistência Farmacêutica Estadual esclarece, ainda, que os pacientes que necessitam de medicamentos disponíveis no Ceaf para as patologias, que não são “TRIVIAIS” e sim de grande relevância para os pacientes com epilepsias, doença de Parkinson e doença de Alzheimer, devem se dirigir com os documentos e exames necessários para sua inclusão no sistema do Ceaf, após serem avaliados pelos médicos e farmacêuticos da unidade, ficando claro que não são avaliados os paciente e sim os laudos médicos e exames cabíveis ao caso, que são primordiais para o fechamento do diagnóstico clínico, acompanhamento das reações adversas, alterações no organismo pelo uso do medicamento e recomendados pela Sociedade Brasileira de Neurologia.

É importante salientar que os profissionais (médicos e farmacêuticos) do Ceaf cumprem a legislação específica, possuem competência comprovada para os cargos que ocupam e são capazes de avaliar os processos ali demandados, não sendo “LACAIOS OU BAJULADORES”, como denominou o médico supracitado. A Assessoria Técnica do Ceaf salienta que, havendo discordâncias por parte dos médicos ou de quem achar pertinente, que façam seus “DESABAFOS” ao Ministério da Saúde (Órgão criador dos PCDT) em seu site ou por meio de cartas, eximindo os servidores públicos que estão a serviço do usuário, cumprindo rigorosamente com os seus deveres técnicos.

Por fim, a Assessoria Técnica do Ceaf lamenta as críticas infundadas do médico Fernando Gameleira, uma vez que a Assistência Farmacêutica Estadual cumpre, criteriosamente, com as Leis e protocolos exigidos e fiscalizados pelo Ministério da Saúde, conforme Portarias, Protocolos e Guia de Orientação ao Usuário.