Alunos de escola demolida têm aula sob abrigo de lonas em Alagoas

Escola deu lugar a praça, na terra do proclamador da República

Apinhados em salas de aulas improvisadas, ou no lado de fora de uma antiga pousada, centenas de alunos da terra do proclamador da República Federativa do Brasil estudam sob calor intenso e ataques de insetos, abrigados do sol e da chuva por lonas estendidas no alpendre do prédio. Todos, professores, pais e estudantes, sobrevivem ao descaso com o ensino público, há mais de um ano, no município de Marechal Deodoro, no Litoral Sul de Alagoas.

O improviso na educação de 409 alunos carentes da cidade que foi a primeira capital de Alagoas vem acontecendo desde que a antiga sede da Escola Municipal Manoel Messias foi demolida, ainda na gestão do ex-prefeito Cristiano Mateus (PMDB), para dar lugar à obra de uma praça de alimentação, na orla da paradisíaca Praia do Francês; como parte de um projeto de “revitalização”, providenciado a partir da instalação do primeiro grande hotel do povoado, o Hotel Ponta Verde.

Os pais dos alunos jogados ao esquecimento pelos gestores públicos estão reivindicando a conclusão da nova escola do bairro, que teve obras paralisadas desde outubro de 2016, na gestão municipal anterior. No local as obras, há seis salas de aula e biblioteca praticamente prontas, com fase de acabamento avançada. E outras quatro salas faltam ser concluídas, estando ainda em fase inicial de construção.

“Desde o ano passado, os funcionários da obra não recebem nada e, por isso, a construção está totalmente parada. O mato está tomando conta de tudo, não tem energia nem água. E as crianças estão nessa situação terrível. O secretário esteve na obra escola nova só na terça-feira [18], depois que a imprensa esteve na escola improvisada. Acho que ele ainda nem tinha ido lá. Se não houver mobilização dos pais, o problema vai se estender por muito mais tempo”, disse Jonas Davi, pai de um aluno da escola.

O secretário de Educação de Marechal Deodoro a que o pai do aluno se refere é Marcelo Beltrão, ex-presidente da Associação dos Municípios Alagoanos (AMA) e primo do ministro do Turismo Marx Beltrão, ambos do PMDB.

VULNERABILIDADE

Enquanto o novo prefeito Cláudio Roberto Ayres da Costa, o Cacau (PSD), não consegue destravar a obra da escola, quatro turmas de alunos do turno da manhã estudam do lado de fora das salas improvisadas na pousada alugada. Estantes de ferro delimitam onde começa e termina cada espaço de ensino, nesse ambiente em que os professores não sabem se falam mais alto, para atrair a atenção de seus alunos; ou se baixam o tom de voz, para não tirar a concentração da turma ao lado.

Já houve invasão de cobra e ataque de maribondos, alvos de peraltices que põem em risco os estudantes, atraídos pelo cenário improvisado que mistura clube de veraneio e acampamento de sem terra. E há relatos de que a ausência de ventiladores nas salas de aula torna o calor insuportável e os ataques de mosquitos constantes. 

“Passamos todo o ano letivo de 2016 aqui, quando a previsão seria de passar apenas seis meses. O espaço da pousada não é adequado. São nove turmas pela manhã e quatro à tarde. Dentro das salas, é aperto e calor. E as quatro turmas que não cabem nas salas, no turno da manhã, estudam ao lado de caixa de gordura, ao ar livre, onde já houve incidente com maribondo e já apareceu até cobra”, relatou uma das pessoas que trabalham na escola e pediu para não ser identificada na matéria, temendo perseguição política.

OUTRO LADO

Procurada pelo Diário do Poder, a Prefeitura de Marechal Deodoro publicou a seguinte nota:

“A Prefeitura de Marechal Deodoro, por meio da Secretaria Municipal de Educação, informa que as aulas da Escola Municipal Manoel Messias, na Praia do Francês, desde o ano passado acontecem em um prédio improvisado devido às obras da escola, que estavam paradas por entraves de contrato na gestão passada. Este ano, as obras foram retomadas e a escola será entregue na primeira quinzena de maio, quando será feita a mudança de prédio.

Em relação aos problemas estruturais do local provisório, a Secretaria de Educação vem fazendo os reparos necessários para amenizar a situação, na tentativa de garantir  o fluxo das aulas até que a obra da escola fique pronta”

Questionado sobre a posição da Prefeitura de Marechal, o pai do aluno da Manoel Messias reafirmou que a obra ainda não foi retomada na atual gestão. E, tanto Jonas Davi, quanto a pessoa que trabalha na escola improvisada desconhecem "reparos" que tenham sido feitos até esta quinta-feira (19).

'SERVIÇOS PRESTADOS'

O Diário do Poder não conseguiu contato com o ex-prefeito Cristiano Mateus, que terminou seu mandato afastado do cargo, em 2016, acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de causar prejuízo de R$ 32,2 milhões em contratos de transporte escolar.

A ação civil pública foi elaborada pelo Núcleo de Combate à Corrupção do MPF e a medida cautelar foi acatada, em setembro de 2016, pela Justiça Federal. O MPF também pediu o bloqueio e indisponibilidade de R$ 96,7 milhões em bens de 21 réus. E atribui ao prefeito afastado a responsabilidade direta pelo dano de R$ 5,5 milhões em convênios com recursos federais.

Em março, o ex-prefeito públicou o seguinte vídeo, fazendo a propaganda da obra que não conseguiu concluir, após mandar demolir a escola antiga, sem ter onde abrigar adequadamente seus alunos: