MPF diz ao Congresso que MP 914 viola gestão democrática das universidades

Procuradoria Federal vê riscos ao modelo de participação social aplicado há mais de 20 anos

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e o Grupo de Trabalho Educação em Direitos Humanos, do Ministério Público Federal (MPF), encaminharam ontem (2) ao Congresso Nacional uma nota técnica em que afirma que a Medida Provisória 914, editada pelo governo federal em dezembro de 2019, viola o princípio constitucional da gestão democrática da educação. Além disso, a PFDC conclui que a análise da matéria demandaria um debate que é incompatível com a urgência de tramitação de uma medida provisória.

A MP 914 altera o processo de escolha dos dirigentes das universidades federais, dos institutos federais e do Colégio Pedro II com o argumento de tentar reduzir a judicialização na nomeação de dirigentes e dar mais transparência ao processo.

“Desde 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, órgãos colegiados com participação da sociedade vão constituir o princípio da gestão democrática, e, na educação superior, eles também serão responsáveis pela escolha dos dirigentes. Isso tudo acaba com a MP 914, uma vez que a organização da lista tríplice – agora obrigatória para todos esses cargos – passa a ser de responsabilidade de um colégio eleitoral instituído especificamente para esse fim”, conclui a procuradoria.

A PFDC reforça que a reformulação das instituições escolares está entre os pilares estabelecidos pela Constituição de 1988 como mecanismo para enfrentar a desigualdade e a discriminação no Brasil. Para tanto, foi preciso que o saber formal tivesse contato com o mundo real, daí a expressão muito conhecida da “escola sem muros”.

O texto ressalta que essa relação dialógica escola/sociedade não se restringiu apenas a conteúdos, ela também está na gestão do ensino público, que deve ser democrática, conforme previsto no artigo 206, VI, da Constituição. E conclui que o mecanismo que vai concretizar a gestão democrática são os conselhos de participação social. No caso do ensino superior, esses conselhos vão também ser responsáveis por organizar a eleição de seus dirigentes.

Democracia e o PNE

No documento, a PFDC destaca ainda que a gestão democrática é um dos elementos indissociáveis do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, que em sua Meta 19 traz exatamente o propósito de assegurar condições para a efetivação da gestão democrática do ensino. E lembra que o Plano foi elaborado com a participação de atores de diversos segmentos, entre eles, gestores governamentais, conselhos e fóruns de educação, movimentos sociais, sociedade civil vinculada ao setor privado na área educacional e organizações da sociedade civil e think thanks voltadas à formulação de políticas públicas.

O PNE conta com 19 metas, todas elas desdobradas em inúmeras estratégias, que atravessam toda a educação pública, desde a pré-escolar até a superior.

“Alterações pontuais num plano demandam visão holística, que dê conta dos impactos a serem porventura suportados pelos seus demais elementos, todos entrelaçados entre si. É importante também ressaltar que o Plano dirige-se a uma realidade que o excede, e as interferências ali operadas também precisam ser convenientemente avaliadas. E tudo isso é obviamente incompatível com a urgência de uma medida provisória, que deve se encerrar no máximo em 120 dias – tempo inibidor de um debate sério, que convoque os mais diversos atores para apresentarem suas perspectivas, suas convicções e seus temores sobre os impactos da ausência do componente que concretiza a gestão democrática na eleição dos dirigentes universitários, dos institutos federais e do Colégio Pedro II”, reforça a Procuradoria. (Com informações da Assessoria de Comunicação e Informação da PFDC do MPF)