Renan Filho defende a Braskem prometendo mais do que a ciência pode garantir

Governador disse que não permitirá, em Alagoas, a tragédia de Mariana e Brumadinho

Menos de uma semana depois de o laudo técnico do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) apontar a mineradora Braskem como responsável por afundar pelo menos 40 centímetros do solo e colocar em risco a vida de cerca de 30 mil habitantes de três bairros de Maceió (AL), o governador de Alagoas Renan Filho (MDB) resolveu ontem (13) dar garantias de que teria uma capacidade sobre-humana de impedir uma tragédia comparável às ocorridas em Mariana e Brumadinho, no Estado de Minas Gerais. O problema é que nem mesmo a ciência pode assegurar tais garantias e ainda busca soluções, além da evacuação das áreas de maior risco, para proteger os alagoanos.

“Vou prioritariamente defender vidas. Não vou permitir aquilo que ocorreu em Mariana e Brumadinho e a partir daí criar as condições econômicas para a Braskem continuar sua exploração, desde que não seja em área pública. Pelo que fui informado previamente, há espaço para a Braskem exercer a mineração em áreas não urbanas, que é o ideal”, disse Renan Filho, ao defender a extração de sal-gema que reativou uma falha geológica e condena os bairros do Pinheiro, Mutange e Bebedouro.

Na última quarta-feira (8), o coordenador dos estudos da CPRM, geólogo Thales Queiroz Sampaio, disse não poder garantir a integridade dos imóveis e moradores da região atingida, ao pedir um voto de confiança para a busca de soluções para o problema, com a continuidade dos estudos científicos, não contaminados pela politicagem e interesses econômicos. Ele também afirmou que não se pode descartar a possibilidade de uma subsidência abrupta, ou seja, um afundamento repentino do solo, na região afetada.

Mesmo assim, o cientista disse que não há motivo de pânico, nem evacuação imediata. E prometeu apresentar um novo mapa de risco que embase a atualização do plano de contingência, até o final desta semana.

“Não podemos assegurar a integridade dos imóveis nem das vidas dos moradores dos três bairros”, é a conclusão da ciência, após estudos expostos em audiência pública no auditório do Fórum da Justiça Federal em Alagoas, após quase um ano de iniciados. “Este trabalho foi muito duro e, certamente, o mais importante que nós já fizemos em nossas vidas ao longo dos últimos anos”, afirmou o cientista, no evento do qual o governador não participou.

“A solução, hoje, é conhecer o mapa de risco e aquelas pessoas que estão em alto risco terão que sair de suas casas, com a ajuda do aluguel social liberado pelo Governo Federal”, completou o secretário Nacional de Proteção e Defesa Civil, coronel Alexandre Lucas Alves, ao responder sobre a possibilidade de soluções de engenharia.

Conforme dados da Justiça Eleitoral, quando foi eleito para seu primeiro mandato de governador de Alagoas, nas eleições de 2014, Renan Filho recebeu R$ 320 mil de doação de campanha da Braskem e R$ 829 mil da Odebrecht, controladora da mineradora.

Em janeiro deste ano, Renan Filho viu efeitos do afundamento em Maceió e cobrou estudos. Foto: Márcio Ferreira/Agência Alagoas

Impactos na economia

O ponto central da fala de ontem de Renan Filho foi reafirmar sua defesa da manutenção das atividades da mineradora em Alagoas “em áreas não habitadas e que não tragam risco para os alagoanos”. De olho no impacto da tragédia para a economia do Estado, ainda não calculado, o governador fala em construir condições para a Braskem continuar funcionando, dizendo “priorizar a preservação de vidas”.

“Eu defendo a continuação das atividades [da Braskem] desde que não prejudique o meio ambiente e as pessoas. Existem áreas não habitadas no estado que permitem a atividade de mineração da empresa. A Braskem vai descontinuar a atividade de cloro-soda, que é o que diretamente depende da sal-gema. Vamos discutir com a mineradora, a manutenção do funcionamento das entorses para garantir a geração de emprego”, declarou.

Mas o governador não quis comentar as críticas do Ministério Público Federal (MPF) sobre a fiscalização e concessão de licenças à empresa por parte do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA). “Não queria comentar crítica do MPF”, esquivou-se o governador, após a pergunta do site Gazetaweb.

Carta branca já foi dada

Renan Filho ainda confia na mineradora, menos de uma semana depois de o IMA autuar em R$ 29 milhões a Braskem, por ter apresentado dados errados sobre suas atividades, ao “contribuir” com os estudos sobre as causas do fenômeno geológico que fez a terra tremer em 2018 e ampliou as rachaduras no solo e em imóveis da região.

Em fevereiro, o IMA admitiu que, no governo de Renan Filho, concedeu e renovou licenças de poços de extração de sal-gema, sem ter geólogo em seus quadros de servidores, nem capacidade técnica de produzir contraprova dos dados informados pela Braskem. Espera-se que a carta-branca concedida à mineradora não seja renovada, como prêmio pela tragédia provocada.

Por isso, o MPF em Alagoas ajuizou ação civil pública com pedido de liminar contra a Braskem, a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o IMA de Alagoas, com o intuito de que sejam adotadas as medidas cabíveis ao procedimento de paralisação das atividades de exploração de sal-gema no Estado de Alagoas, considerando que intervenções inadequadas podem agravar a situação.

A própria empresa mineradora anunciou, na última quinta-feira (09), a paralisação de suas atividades, adiantando que contestará os estudos da CPRM.

Entre os dados técnicos apresentados, impressiona as revelações de que aumento de 71%, na cavidade (ou caverna) da mina 07 e redução de 92% na mina 19D, por exemplo. “Estas cavidades, que deveriam estar estáveis (com manutenção de volume), estão desestabilizadas, ora aumentando de volume, ora quase desaparecendo (desmoronamentos?). E uma caverna aberta pela mina 7 para subiu 200 metros acima da camada onde fica localizada a jazida de sal-gema, ao longo de 30 anos.

Estudo da CPRM mostra que caverna da mina 7 de sal-gema da Braskem subiu 200 metros em direção à superfície, em 30 anos. Foto: CPRM

A CPRM conseguiu avaliar as condições de apenas oito das 35 minas da Braskem (3 ativas e 5 inativas). Veja parte do estudo que mostra o que houve com as minas. As deformidades pintadas de vermelho nas minas mostram a evolução do tamanho da mina, em azul, o tamanho original:

 

Veja aqui a posição da Braskem sobre o afundamento dos bairros.

E veja como a mineradora anunciou o início da suspensão de suas atividades.