Mandetta afirma que isolamento era fundamental contra covid-19 desde primeiros casos

Na CPI da Pandemia, ex-ministro da Saúde afirmou que houve discordância entre o que era defendido por ele e por Bolsonaro

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta afirmou nesta terça-feira, 4, durante depoimento à CPI da Pandemia, no Senado, que o siolamento social era fundamental para a prevenção da covid-19 já quando da ocorrência dos primeiros casos no Brasil e teria ajudado a conter o vírus.

Mandetta também afirmou que alertou o presidente Jair Bolsonaro e outros ministros sobre a importância da política de isolamento social e confirmou que houve discordância. “Todas as recomendações as fiz, com base na ciência, a vida e a proteção”.

“Em público, em todas as minhas manifestações de orientação de boletins, no conselho de ministros, diretamente ao presidente, a todos os secretários municipais e estaduais, e a todos aqueles que, de alguma maneira, tinham que se manifestar sobre o assunto. Sempre as fiz de acordo com o que é preconizado para uma doença infecciosa epidêmica”, disse, em resposta ao questionamento do senador Renan Calheiros, relator da CPI.

Renan indagou, então, se houve discordância entre o que era defendido por Mandetta e por Bolsonaro. “Houve discordância, sim, senhor”, rebateu o ex-ministro.

O ex-ministro afirma que chegou a escrever uma carta em defesa do isolamento ao presidente, que foi entregue em uma reunião com outros ministros no Palácio do Alvorada. “Era muito constrangedor para um ministro da Saúde explicar que o ministro da Saúde estava indo por um caminho e o presidente por outro”, afirmou.

Mandetta deixou o Ministério da Saúde em abril de 2020, no início da crise sanitária no país, após um embate com Bolsonaro sobre as medidas de isolamento social e o uso de medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento da Covid-19.

Ainda em depoimento na CPI, Mandetta afirmou também que a relação com Bolsonaro era dúbia.

“Todas as vezes que a gente explicava, conversava, eu não era voz solitária no governo. O presidente, no mais das vezes, compreendia [as recomendações do Ministério da Saúde]. O presidente dizia para dar seguimento. Passavam-se dois, três dias, ele voltava para aquela situação de quem não havia, talvez, compreendido, acreditado. Era uma situação dúbia. Eu explicava, ele entendia, mas, na prática, agia de forma diferente”, disse.

Renan Calheiros questionou por que a gestão de Mandetta não estruturou programa de testagem em massa. O ex-ministro afirmou que, mesmo com dificuldades, o Ministério da Saúde agiu em diversas frentes com na compra de medicamentos e testes e com enfoque em testagem, reparação, monitoramento, tudo para evitar a transmissão.

“No mês de março, iniciamos todo o processo de aquisição de testagem – 24 milhões de testes. Não adianta apenas testar, tem que processar os testes de maneira automatizada. Fizemos um pool de laboratório, uma série de parceiros, para construir toda a lógica de testagem e entrega de resultado através de aplicativo diretamente para a pessoa e para a secretária de Saúde, disparamos o processo de aquisição com todas as dificuldades, mas isso só foi assinado pelo ministro subsequente [Nelson Teich]. Depois soube que esta estratégia não foi utilizada. Esta era, de uma maneira muito clara, a nossa estratégia: testar, testar e separar”, respondeu Mandetta.

Cloroquina

Questionado pelo relator sobre a produção de cloroquina, Mandetta afirmou que a ordem para aumento da produção pelos laboratórios do Exército não partiu do Ministério da Saúde. “A única coisa que o Ministério da Saúde fez, após consulta ao Conselho Federal de Medicina, era para o uso compassivo, quando não há outro recurso terapêutico aos pacientes graves. Para uso indiscriminado, a margem de segurança da cloroquina é estreita”, disse.

“A cloroquina não é aquela coisa ‘se bem não faz, mal também não faz’. É um medicamento que, como outro qualquer, tem uma série de reações adversas. A automedicação com cloroquina e outros medicamentos poderia ser muito perigosa”, afirmou.

Mandetta informou ainda que o presidente Bolsonaro queria que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alterasse a bula da cloroquina para que o medicamento fosse indicado no tratamento da covid-19. Segundo Mandetta, o pedido foi negado pelo presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres.

Vacinas

Mandetta afirmou ainda que não há saída para crises pandêmicas além da vacina e “se houvesse vacinas, teria ido atrás delas como se vai atrás de um prato de comida”.

O ex-ministro relembrou que, enquanto esteve à frente do Ministério da Saúde, não havia nenhuma vacina com “resultados promissores”. “Em maio, depois de eu ter saído do ministério, é que a primeira vacina começa a ter testes em humano, a fase 2 dos testes clínicos”, afirmou. “A gente sabia que a saída era pela vacina”, acrescentou.