Lava Jato desiste de criar fundo bilionário anticorrupção, após críticas

MPF busca opções para assegurar que valores da corrupção retornem à sociedade brasileira

A força-tarefa da Lava Jato no Paraná pediu nesta terça (12) a suspensão da criação de um fundo bilionário que iria bancar projetos de cidadania e anticorrupção com recursos recuperados da Petrobras.

Em pedido enviado à Justiça Federal, os procuradores do Ministério Público Federal (MPF) disseram estar consultando órgãos como a Advocacia-Geral da União, a CGU (Controladoria-Geral da União) e o TCU (Tribunal de Contas da União), além da Petrobras, “na busca de soluções ou alternativas que eventualmente se mostrem mais favoráveis para assegurar que os valores sejam usufruídos pela sociedade brasileira”.

A criação do fundo, noticiada pela Folha de S.Paulo na semana passada, foi criticada por advogados e especialistas em direito, que questionavam o protagonismo da Procuradoria no processo.

A fundação independente que administraria os recursos seria criada num processo sob coordenação da Procuradoria, com a participação de entidades da sociedade civil e órgãos do poder público.

A instituição iria gerir recursos de até R$ 2,5 bilhões, pagos como multa pela Petrobras como parte de um acordo com as autoridades norte-americanas para compensar perdas de acionistas minoritários com os esquemas de corrupção revelados a partir de 2014. Ações judiciais e de arbitragem contra a companhia petrolífera estão em curso nos Estados Unidos.

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a SEC (órgão regulador do mercado de capitais americano) concordaram em abater até 80% da multa aplicada à Petrobras (que totaliza US$ 853,2 milhões ou R$ 3,28 bilhões) se o dinheiro fosse usado para recompor danos à sociedade brasileira.

A solução encontrada na negociação foi a criação de uma fundação de direito privado com funcionamento inicial previsto para o meio de 2020. Essa entidade serviria para financiar projetos de combate e prevenção à corrupção.

Papel indutor

A Procuradoria sustentou que seu papel é apenas de indutor ao dar os primeiros passos para criar a fundação. Argumentou que a gestão da entidade não será sua, mas de representantes da sociedade civil. Para críticos da iniciativa, o órgão está se valendo de um subterfúgio para receber valores não previstos no orçamento.

Em nota nesta terça, os procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba argumentam que a ideia foi baseada “na melhor experiência nacional e internacional”, para que os recursos fossem empregados “em favor da sociedade brasileira”.

Eles citam, porém, o “debate social existente sobre a destinação dos recursos” para justificar a decisão de suspender o processo.

O pedido ainda precisa ser acatado pela 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná, comandada pelo juiz Luiz Antônio Bonat -que substituiu o ex-juiz Sergio Moro.

Os valores depositados pela Petrobras continuam depositados em conta administrada pela Justiça Federal do Paraná.

Críticas

No STF (Supremo Tribunal Federal), parte dos ministros vê com reservas a criação da fundação. O ministro Marco Aurélio disse a jornalistas nesta terça-feira que, em casos semelhantes, envolvendo tribunais de Justiça, tem considerado impróprio criar fundos desse tipo.

“O Ministério Público atua, como também deve atuar o Judiciário, estritamente a partir do Orçamento. [A mistura de público e privado] Não interessa ao Estado, não interessa ao contribuinte. Isso acaba saindo caro em termos de administração”, afirmou.

“O reparo [dos danos causados pela corrupção] deve ocorrer considerados os prejudicados, e o Ministério Público não foi prejudicado. O que eu penso é que isso revela os tempos estranhos vivenciados, a perda de parâmetros, a colocação em segundo plano de certos valores muito caros à administração pública.”

O subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, pediu na segunda-feira (11) que o TCU tome providências para verificar a constitucionalidade e a legalidade de um acordo.
Segundo ele, põe-se em dúvida a legitimidade do Ministério Público Federal para, num acordo com a Petrobras, dispor sobre a destinação dos recursos.

“Ainda que fosse reconhecida a legitimidade do MPF, restaria questionável a legalidade da decisão de atribuir a uma fundação de direito privado o dinheiro pago pela Petrobras ao ‘Brazil’, decorrente da atuação, no Brasil e no exterior, de órgãos e entidades estatais e governamentais na tutela de interesses públicos”, afirmou. (Folhapress)