Gosto do elegante e prático conceito de feedback positivo, que já utilizei aqui no Valor. Uma urna contém certo número de bolas pretas e brancas. A proporção é desconhecida. Retira-se uma bola. Se for preta, é devolvida acompanhada de outra bola preta. Seja lá qual for a proporção original, aumenta, ainda que infimamente, a chance de a próxima bola extraída ser também preta. Isto é um feedback positivo.

O século XXI veio seguido de mudanças relevantes em vários segmentos da economia. Um bom “case” é o das farmácias. Os vendedores se surpreendem quando alguém pede uma caixa de remédio. O lógico agora é a compra fracionada, exceto quando não é possível. É o novo padrão de competição. Ficou melhor para o consumidor.

Raphaela Ribas, no Globo de 19 de março (Restaurantes lançam negócios na linha mais com menos), mostra como os restaurantes reagiram aos efeitos da pandemia. Agrupar os pequenos, na busca de economias de escopo, é a estratégia. Marcas importantes seguem esse princípio ou variação dele.

São dois casos de feedbacks positivos. E maximização de valor para o acionista não vem em prejuízo do consumidor. Por que essa dinâmica não acontece no setor elétrico brasileiro (SEB)?

As autoridades do setor elétrico, como de costume, na falta de respostas concretas, voltaram a falar na modicidade tarifária. Em 2013, quando o tema ganhou força, o consumidor sonhou com a redução de 20% e acordou com o aumento de mais de 40% na tarifa.

A agenda deve ser outra. Do ponto de vista técnico (hardware), o SEB é dos mais interessantes do mundo. Só aqui há recursos hidrelétricos com capacidade de armazenamento que pode atenuar riscos e custos. Não passa de quatro os países que têm um sistema interligado de dimensão continental, com um mix de transporte que combina as correntes alternada e contínua.

Poucos foram tão rápidos em diversificar a matriz elétrica. Em menos de 15 anos as fontes renováveis variáveis (FRVs), com domínio da eólica e da solar, saíram de 1% para 15% da capacidade de geração. E em 2023 quase 100% dos investimentos em geração já vêm das FRVs. Quando a esse número é adicionada a geração distribuída (GD) com solar fotovoltaica o resultado surpreende, e o ritmo segue acelerado.

Mas o SEB é ineficaz. E esbanjador. Em ciclos quase bianuais, passa de severa escassez a espetaculares sobras de energia, como agora. Apesar do longo período de decréscimo nos custos de investir nas FRVs, esse efeito não chega a todos os consumidores. Não por acaso a tarifa, uma das maiores do mundo, cresce mesmo com grande excedente de oferta.

Algo está errado no software do SEB. O estado-da-arte da tecnologia é atropelado pela desatualizada governança econômica. É como se uma inteligência artificial especializada em tornozelo fosse aplicada para cirurgia cardiovascular, o que explica os chutes fora do alvo e os elevados riscos de colapso.

São vários os motivos. Um deles é o formato da tarifa. O consumidor cativo tem sua conta de luz calculada com uma tarifa volumétrica, isto é, um valor em R$/kWh multiplicado pelo volume de kWh medido. Sucede que só alguma coisa entre 40 e 50% dos custos dos serviços da rede estão associados ao kWh ou à energia produzida. Você não sabe, mas essa estrutura rudimentar determina grande parte do valor da tarifa.

O consumidor tem em casa um conjunto de equipamentos que especifica a potência de uso em kW. A D pressupõe que esses equipamentos podem ser utilizados ao mesmo tempo, por isso sua rede (assim como a de transmissão) é definida para suportar a potência máxima. Há, por princípio, um excesso de capacidade de geração, transmissão e distribuição. Pelo menos 15% de custos são adicionados por essa estupidez regulatória.

Nas modernas estruturas tarifárias, o conta de luz é separada em potência (kW) e energia (kWh). E o consumidor negocia com a D a potência que pretende usar simultaneamente. Se ultrapassar o limite estabelecido, parte de seus equipamentos é automaticamente desligada. É um incentivo ao uso racional da energia, que, óbvio, reduz os custos.

O planejador central é míope com o que ocorre no SEB. O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE32) estima a participação das diferentes fontes na oferta de eletricidade. É etapa crítica para prever os custos totais. Lá é estimado que em 2032 a GD chegará a 37 GW.

Porém, em reunião de fevereiro da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ficou claro que apenas entre outubro de 2022 e janeiro de 2023 os pedidos de migração de consumidores para a GD superaram 35 GW. Como em fevereiro de 2023 já existiam 18 GW de GD, antes de 2026 o total dessa fonte será maior que 45 GW, mesmo com a frustração de 25% na migração. Resultado: o PDE32 subdimensiona a GD e superdimensiona a geração centralizada e os investimentos em rede. A sobreoferta, ou o desperdício de energia, não será obra do acaso. Este é um (planejado) feedback negativo.

E a operação do sistema e do mercado ainda adota a premissa em que a decisão ótima é aquela que resulta na minimização do custo total, ou do menor de custo marginal para atendimento da carga. Só que, logo ali, em 2030, grande parte da carga será atendida por GD, eólica e solar. Nessa nova rotina, o que interessa, em lugar do custo marginal, é o custo oportunidade para seguir a carga, ou seja, o custo para suprir a variabilidade e a intermitência dessas FRVs.

O momento é desafiador. As autoridades do SEB, que parecem preferir as saídas fáceis, não perceberam que uma agenda consistente passa necessariamente por eliminar a estupidez regulatória, pela rigorosa (e atrasada) análise da inserção das FRVs e, sobretudo, pela avaliação dos efeitos da GD na formação de preços, custos e tarifas. Unir forças para criar feedbacks positivos e, ao mesmo tempo, distanciar-se dos feedbacks negativos, é um bom caminho. E sem pisar no consumidor.