Responsabilidade por escândalos em terceirizações

Desconformidades em terceirizações são inerentes a este tipo de negócio jurídico em qualquer atividade econômica. Não deveriam ocorrer, mas quando identificadas, a grande maioria das situações é corrigida, responsáveis advertidos e, se reiteradas, os tratos são encerrados e novo fornecedor assume a responsabilidade de tocar a atividade. Muito desse dia a dia tem pouca visibilidade. Quando chama atenção é porque são fatos que ofendem sentimentos, crenças, convenções morais e sociais. Portanto, são escândalos.

Nos últimos anos, escândalos trabalhistas em terceirizações que lidam com a contratação de mão de obra intensiva têm vindo cada vez mais à tona. Se por um lado isso é bom porque demonstra existir ação vigilante por parte de agentes da sociedade que observam o que está se passando e denunciam, desencadeando reação da autoridade pública, por outro, demonstra que nós, atuantes em compliance e assessoria preventiva trabalhista, precisamos nos esforçar muito mais para evitar que isso continue a ocorrer.

A responsabilidade pela existência de sucessivos escândalos em terceirizações extrapola os prejuízos financeiros e de valor institucional que recai sobre as empresas que se valem desse instrumento para otimizar suas operações. Por existir, macula não só a empresa na qual foi constatado, mas também o legislador e toda pirâmide institucional trabalhista, que detêm o poder-dever de criar, regrar e manter os postos de trabalho, as autoridades executivas nos âmbitos federal, de estados e das cidades que incentivam políticas de geração de emprego e renda. Afeta, ainda, todo o conjunto de advogados trabalhistas que cuidam tecnicamente das relações contratuais na cadeia de valor de empresas clientes; por fim, possui reflexos no aparato de estado que, em suas políticas públicas, deve fiscalizar as relações de trabalho e emprego, e atuar não somente nos casos de denúncias, mas com bastante ênfase na prevenção, a fim de se evitar situações desta natureza.

Não era para ser assim. A terceirização é processo relevante para diversas operações de negócios, mantenedora de postos de trabalho, aprimorado com a edição da Lei 13429/17. E que traz, em seu bojo, para a manutenção de responsabilidade da contratante, uma série de requisitos a serem obedecidos para diminuir riscos na sua implantação.

O primeiro cuidado reside na escolha da empresa para qual se vai terceirizar uma determinada operação. Ao eleger o seu parceiro comercial, a contratante, apesar de entregar parte da sua cadeia produtiva, e aqui não mais se necessita a discussão de ser atividade meio ou fim, mantém consigo a corresponsabilidade pelas obrigações trabalhistas. Assim, não basta terceirizar.

Todos os anos temos conhecimento de empresas globais – cuja terceirização da cadeia produtiva avançou para além de seu continente de origem – serem flagradas, multadas e mundialmente condenadas perante a Opinião Pública pela utilização de mão de obra em situação análoga à escravidão. Muitas vezes envolvendo até a presença de crianças em suas linhas de produção.

Agora, temos acompanhado empresas em diversos pontos do país, mais especialmente no Rio Grande do Sul, envolvidas com terceirizadas de mão de obra, descumprindo – conforme as denúncias – quantidade absurda de obrigações trabalhistas e, pior, em condições degradantes de alimentação, alojamentos e respeito à dignidade humana.

Por isso, o segundo grande e mais importante cuidado ao se terceirizar serviços é exercer a fiscalização sobre a empresa contratada. Se a empresa terceirizada desrespeita a lei, a contratante também sofrerá penalidades. Ao valor das multas e indenizações devem ser somadas as perdas institucionais perante seu público consumidor.

Um aparelho celular, as vestimentas que usamos e as bebidas ingeridas, por exemplo, são resultados de processos fabris que, esperamos, sejam dignos. Na medida em que a consciência comum da sociedade se aplica para construir processos de gestão empresarial comprometidos com padrões elevados de preservação ambiental e melhora das relações sociais, desejamos, em tese, que experiências de consumo sejam elo que nos conecte a cadeia de valores positivos.

Para que isso não se rompa de forma violenta como as dos exemplos citados, a empresa deve ser diligente. E de forma veemente. Os controles devem ser muito maiores do que outrora. A contratante deve escolher muito bem, gerenciar seus contratados, tal e qual faz com seus próprios empregados. Deve se juntar ao contratado, como faz com seu próprio time, e, se necessário for, ensiná-lo, treiná-lo e capacitá-lo, a fim de que toda a sua cadeia produtiva esteja em conexão, não só com as leis, mas com seus próprios propósitos.

As contratantes estão, umbilicalmente, vinculadas às ações de suas contratadas. Seja em razão do que dispõe a legislação vigente, que ratifica o entendimento das Súmula 331 do C. TST, que há muito, em face da letargia do legislativo sobre o tema, regrava a corresponsabilidade do tomador dos serviços, seja em função da Responsabilidade Social – o S do ESG, tão exigida mundialmente das empresas modernas.

Por isso, as empresas não podem se escudar atrás da terceirização. Se esconder, alegando que “não eram meus empregados”, como tal argumento lhes servisse de escudo das garras da culpa. Tal argumento, com a devida vênia, é a roupagem de empresas que vão na contramão da decência corporativa.

Terceirizar e não fiscalizar significa jogar a sujeira para baixo do tapete. A empresa deve, acima de tudo, em se tratando de terceirização de cadeia produtiva, ser diligente, para não ser vista como conivente com ilegalidades tidas como barbáries sociais nos tempos atuais!

Por Leonardo Jubilut, advogado especializado em direito trabalhista e sócio de Jubilut Advogados.