O século XX viu a implantação em todo o Ocidente do Welfare State, o Estado de Bem-Estar Social ou Estado Social de Direito. Suas raízes podem ser detectadas na Antiguidade, como exemplo as ações dos irmãos Gracos e dos populares em Roma, fazendo a reforma agrária e sistematizando a distribuição de trigo para o proletariado. Distorcido pelos Estados concentracionários entre as duas guerras mundiais, depois de 1945 generalizou-se por toda a Europa como um fator decisivo de desenvolvimento.  

No Brasil seguimos esse passo com grandes limitações. Já nos anos 30 criamos os institutos de aposentadoria e pensões por classes — a ideia fascista da política classista dominava. O regime militar fez a fusão da previdência social no INPS – Instituto Nacional de Previdência Social. Mas as aposentadorias e pensões não eram universais, e fora delas as outras atividades sociais eram muito limitadas.  

Só no meu governo começamos a universalização do atendimento à saúde, primeiro com o SUDS e, depois da Constituição, com o SUS. Todos sabemos que esse é um projeto ainda muito longe de ser o que precisa, pois — por uma série de fatores menos ou mais graves — a desigualdade de tratamento entre o pobre e a classe média submetida aos exorbitantes “planos de saúde” é abismal. Só poderemos nos dizer um país civilizado quando uma pessoa puder entrar no hospital e não precisar pensar se e quando será atendido nem que terá uma conta a pagar.  

Passarei aqui outros aspectos básicos do Estado de Bem-Estar Social, como o direito à educação universal e gratuita, o direito à moradia, à habitação, à alimentação etc. No meu governo abrimos a previdência ao trabalhador rural, até então excluído, e ampliamos o atendimento aos demais brasileiros. Nesse período, o INPS era superavitário. Logo depois, transformado em INSS, tornou-se cronicamente deficitário, apesar das várias reformas que diminuíram os direitos dos contribuintes, pensando sempre em expulsá-los para as instituições privadas, à maneira americana.  

O que aconteceu então não foi mágica, embora a importância da contribuição de homens como Rafael de Almeida Magalhães, excelente ministro a quem muito deve o Brasil. O que aconteceu é que eu tinha uma prioridade: o emprego. Tivemos, naqueles anos — bem sei que os números não podem se comparar estritamente pois houve mudanças de metodologia — as menores taxas de desemprego, que chegaram à casa dos 2%. O pleno emprego, que era o que vivíamos na prática, deu à Previdência os recursos de que ela precisava para pagar os benefícios.  

Na corrida para diminuir as despesas — não se trilha o caminho de aumentar a receita aumentando o número de contribuintes —, adota-se a ideia de restringir os direitos. Passado isso, mergulha-se no monstruoso adiamento das obrigações, criando um equilíbrio financeiro instantâneo, mas precário, ao preço de deixar as pessoas sofrendo os maiores vexames. Vejo no jornal que há hoje um milhão e oitocentas mil pessoas aguardando o exame de seus benefícios — que podem ser aposentadorias, pensões, licenças para tratamento de saúde etc.  

O caminho do desastre passa por um grande desvio que trilhamos nos últimos anos: o do “trabalho informal”. Empurrado a ele por absoluta necessidade, o trabalhador trabalha, mas recebe apenas uma remuneração direta, sem garantia de emprego, atendimento médico, aposentadoria, licenças remuneradas… Ele sai das estatísticas de desemprego — elas medem apenas quem está procurando emprego —, mas continua sem emprego. Sem emprego é apenas um esforço sem futuro. Sua velhice, se lá chegar, será apenas o direito à esmola.  

Para glorificar a IA — não sei se sigla de “inteligência artificial” ou de “imoralidade assumida” — anuncia-se que agora a análise da concessão dos benefícios é feita por computadores. Com isso a eficiência consegue chegar à negação de uma aposentadoria — para a qual uma pessoa trabalha anos a fio — em alguns minutos.  

Terá sido o trabalhador imprevidente e deixou de marcar uma casa no formulário? Terá sido leniente e deixado de contribuir num momento de aperto? As possibilidades são quase infinitas. Mas uma coisa é certa: a grande imprevidência pública.