Energia elétrica. Não tem sido fácil a vida do consumidor de eletricidade, em especial daqueles que são proibidos de migrar para o mercado livre. Além do sufocante 2021, em que a escassez de água deixou a todos com sensação de um repentino apagão, agora a conta chegou. As tarifas, em 2022, já cresceram mais de 20%, como aconteceu no primeiro quadrimestre. E vai piorar.
A classe política, assustada e a temer os reflexos nas urnas eletrônicas, já pôs em prática os velhos truques. O primeiro consiste, em linhas gerais, em culpar a concessionária e o regulador. Com isso, encobre seus jabutis, que afetam os custos da eletricidade.
O segundo truque, em mais evidência desde o início de maio, tem um bom apelo. Os parlamentares defendem a redução do escorchante ICMS. Para eles, tal decisão, se aprovada, teria o condão de reduzir as tarifas de energia. Mas é pura ilusão.
Para não especular, peguei minha conta de luz de abril, no valor de R$ 132,38. Desse total, R$ 16,36 eram de ICMS, cerca de 13% do que chamei de custo da energia, que seria R$ 126,59.
Por decisão da Congresso Nacional, admita que a alíquota do ICMS seja zerada, como quer o governo. Minha conta de luz, supondo que consumo fora exatamente o mesmo, seria reduzida para R$ 116,02. Parece bom.
O leitor, se leigo, pode não entender, mas esse cálculo, que implicaria a redução da meu e do seu gasto com a eletricidade, nem passaria pela Agência Nacional de Energia de Energia Elétrica (Aneel). A razão é simples: a medida em discussão não estimula qualquer diminuição no custo da energia (geração, transmissão, distribuição e subsídios), pelo contrário.
Seguindo o padrão recente, suponha que o custo da energia tenha ido de R$ 126,59 para R$ 140, que é um acréscimo de 10,59%, bem menor do que o que ocorreu entre 2021 e 2022. Minha conta, no reajuste seguinte, com o ICMS ainda zerado, já seria maior que a de abril. Seria tal como uma pedalada elétrica de curto percurso.
Em palavras simples, a diminuição do ICMS, ou qualquer imposto, reduz minha conta por um ano, mas não o custo da energia. Nem a tarifa. Percebeu a esperteza. Apenas abrirá espaço para mais jabutis e outras ineficiências. Esse é o truque. O truque elétrico eleitoralmente arquitetado.
E a coisa é tão escancarada que distribuidoras estatais chegaram a pedir à Aneel o adiamento da data de reajuste. (Veja reuniões dos dias 23/5 e 07/6). A ideia é esperar o que vem do Congresso que, há tempos, é planejador e regulador, com sistemáticos insultos à racionalidade econômica, o que ajuda a explicar o aumento generalizado dos custos.
Nesse vale tudo, outras distribuidoras, sem saída, estimulam truque antigo, de mais um empréstimo, outra espécie de pedalada elétrica. O que ninguém quer mesmo é resolver o grave problema de governança do setor de energia. Claro! Todos ganham com o caos. Exceto o consumidor.
Petróleo e gás. No setor de petróleo e gás a situação é tão complicada quanto. O governo, ao que parece, ainda não identificou a duração e a profundidade da crise que se aproxima, ou finge que não a conhece. O truque, porém, é o mesmo: redução dos impostos. Que até poderia fazer algum sentido, a menos pelo fato de o improviso resultar problemas estruturais no futuro próximo.
Motivada pela invasão da Rússia à Ucrânia, o mundo se aproxima de uma inédita restrição da oferta de combustíveis, talvez só comparável à dos anos 1970. Os governos, não só no Brasil, reagem na base da acomodação, como de costume. Vários deles criaram típicas bolsa caminhoneiro e outros subsídios para o uso do gás e da energia elétrica. São paliativos que mascaram e agravarão a crise, uma vez que mantêm ou até estimulam o consumo.
Como não há previsão para o fim da invasão russa, que afetou diretamente o fluxo de petróleo e gás para a Europa Ocidental, é dada como certa uma brutal limitação de oferta em todo o mundo. A própria Rússia, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, da sigla em inglês), já estaria a produzir cerca de um milhão de barril de petróleo a menos por dia. E pode reduzir mais se União Europeia levar às últimas consequências sua tática de guerra, que implica eliminar o uso de óleo, gasolina e gás importados do país invasor.
Com medo disso, os Estados Unidos aumentarão seus estoques, no que será copiado por outras nações de semelhante poder econômico. É uma estratégia que acentuará a crise, como na Covid-19, em que os países ricos compraram três vezes mais vacinas do que era necessário. É, assim, de proporções inimagináveis o risco de faltar combustível, sobretudo óleo diesel, mais ainda nos países da periferia.
Tem-se, neste contexto, um claro problema de austeridade de oferta. Estranhamente, os governos, como o brasileiro, procuram combatê-la com instrumentos que aumentam a demanda, quando já passou da hora de restringi-la.
Será perdedora, apesar da possível eficácia eleitoreira, a política de redução do ICMS. Se o preço final do diesel nos postos de serviço é R$ 7/litro e, desses, R$ 3,5/litro é o custo Petrobras e R$ 1/litro o ICMS, em números redondos, um aumento de 15% ou R$ 0,7/litro já “engoliria” 70% do efeito de ter sido zerada, temporariamente, a alíquota do imposto.
E, com a iminente escassez de oferta, não é desprezível a probabilidade de o preço do petróleo aumentar em mais de 50% entre 2022 e 2023. Rapidamente, quem sabe logo depois das eleições, tudo voltaria ao passo zero, ou até pior, como se também desandasse a pedalada dos combustíveis.
Policy makers, por favor. Parece burrice, ou apenas um truque, querer, com o aumento da demanda, enfrentar uma grave crise de oferta. Acho que é pedir muito, mas sugiro que leiam as recomendações da IEA, em março, para o combate aos sérios problemas de oferta que então se anunciavam.