Na década de 1990, a França deu o grito de alerta: se não reagirmos, dentro de quatro gerações o inglês será a língua universal. Nossos idiomas morrerão e serão apenas referências históricas.

Na realidade, a língua é um instrumento de identidade e cultura. Hoje, mais do que nunca, tornou-se, também, uma fundamental ferramenta da identidade nacional.

Quando em 1989 visitei Angola, o Presidente José Eduardo dos Santos falou-me da dificuldade dos projetos de educação e das relações tribais, pela barreira das línguas. Disse-lhe que o colonizador português, que tantos erros cometeu, deixou um instrumento político que podia ser a chave da unidade nacional: a língua. Dei-lhe o exemplo do Brasil, onde a língua portuguesa foi o veículo do país continente, valendo-se dela, idioma de cultura, para forjar a unidade e a identidade nacional.

Veja-se, agora, o que ocorre no mundo. A Catalunha reeduca o seu povo no catalão, língua oficial, para ter identidade. Na Argélia, com o radicalismo que vive o país, proíbe-se falar francês, e o árabe é declarado única língua a ser falada. A China tem como um dos seus grandes problemas os quarenta idiomas e dialetos que lá existem. A URSS fracionou-se muito pelo artificialismo da unidade, dividida em nações que falavam a sua própria língua.

O português foi para nós, brasileiros, com o nosso gênio, aquilo que hoje se descobre: a importância da língua na construção política.

A aventura do português é, sem dúvida, impressionante.

Ao iniciar, no século XV, sua expansão para fora da faixa mais ocidental da Península Ibérica, ganhou primeiro o Atlântico e depois o Índico, fixando-se nas ilhas e em pequenos e numerosos portos ao longo das praias que bordejam o que os gregos chamavam de Rio Oceano. Língua de marinheiros, tornou-se o idioma de ligação dentro dos breves espaços das feitorias e o falar do comércio com os povos que lhes eram vizinhos. Impôs-se como língua de beira-mar e de viagem, insulana, quer a cercasse o mar ou a isolassem a estranheza e a hostilidade das terras que a envolviam. Isso não impediu que se tornasse a língua franca do mercadejo nos litorais da África e do sul da Ásia; que se fizesse a língua de corte, a exemplo do que sucedera com o francês na Europa do século XVIII, em reinos africanos como os do Benim, do Congo e do Warri; que entregasse palavras e modos de dizer a numerosas outras línguas, do iorubano ao japonês; que marcasse profundamente não só o vocabulário, mas também a sintaxe de idiomas como o paplamento e o urrobo; que criasse novas línguas, como os crioulos de Cabo Verde, de Casamansa, da Guiné-Bissau, de São Tomé e Príncipe e de Ano Bom, e os papiás de Málaca, do Ceilão, de Macau, do Timor e da Índia.

Depois ela, que não tinha terra para ser falada, achou o Brasil e, aqui, foi a língua dos bandeirantes, dos faiscadores, dos descobridores, parando apenas na imensidão da floresta ou nas encostas das grandes montanhas.

Por isso a globalização é uma ameaça às línguas nacionais. Devemos defendê-las. Cada país, ao seu modo, contra a invasão da cultura enlatada, resistindo contra a unificação dos valores espirituais, na razão em que estes se tornam objetos de comércio, apenas um item na pauta de exportação.

A questão nacional passa por aquela do idioma. Não só a esfera religiosa, mas também a língua constitui uma trincheira importante contra a desagregação cultural, a invasão de outros valores, a mutilação da identidade de um povo. A resistência de muitas nações constitui exatamente nisso: a falar o seu próprio idioma, apesar da repressão dos dominadores. A esse respeito, temos inúmeros exemplos.

A língua é signo, mas é também afirmação de identidade; é código, mas também forma de resistência; instrumento de comunicação, mas também repositório de valores espirituais caros a uma determinada cultura.

No Brasil, a língua portuguesa cumpre essa função política, que é conservar nossa identidade e assegurar a unidade nacional.