É obscuro o futuro da Light, distribuidora de eletricidade do Rio de Janeiro. E respingará nos consumidores, no mínimo com mais aumento de tarifas. A perda não técnica (PNT), eufemismo para furto de energia, é a razão, mas não única, para o desequilíbrio financeiro da companhia que em 2025 fará 120 anos.
A PNT da Light no ciclo 2022-2026, quando vence a concessão, é de 5.022.764 MWh (573 MW médios). Esse montante corresponde ao consumo de 2.000.000 de residências, algo como Sergipe, Amapá e Roraima – juntos.
É como se a energia que a Light compra de Itaipu e Belo Monte fosse usada só pelos fraudadores. Em dinheiro de hoje, é mais que R$ 1.25 bilhão ao ano. E a este montante é adicionada a parcela sob responsabilidade do acionista da Light, que ultrapassa de R$ 800 milhões. E isso é só um pedaço dos quase R$ 7 bilhões que os consumidores brasileiros gastam com a PNT.
Esses limites são fixados a partir de Áreas com Severas Restrições Operativas (ASROs), outro eufemismo para as regiões dominadas por milícia e traficantes. Nelas, o consumo médio é da ordem de 400 kWh. O Globo de 12 de fevereiro tem duas ótimas matérias sobre o tema – uma de Glauce Cavalcanti e Ana Flávia Pilar (A conta do crime) e outra de Marcos Nunes (Geografia dos ‘gatos’).
E há uma razão para o Estado não se empenhar no combate à fraude: o ICMS é cobrado também pela energia furtada. Impedir a fraude implica reduzir o consumo, que diminui o ICMS faturado.
Em 2013 fui diretor-ouvidor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Estive em três dessas ASROs. “Não vou dar mole. Se meu vizinho não paga, e ninguém faz nada, por que vou pagar?” Foi o que escutei de pessoas que até se envergonhavam com a clandestinidade. É o ciclo perverso do furto de energia. O ‘gato’, desde então, cresceu de 34 para mais de 50%.
E a Light não fez a coisa mais certa. Priorizou soluções técnicas consagradas, como blindar os medidores, para resolver um problema que é social e, sobretudo, comportamental.
É raro o usuário que quer permanecer clandestino. É mais rara ainda a pessoa que furta dela mesma. Por que, então, não eliminar o vínculo com a milícia? Como o consumidor (pagante) gasta R$ 1,25 bilhão ao ano com a PNT, por que não criar um fundo de kWh com esse dinheiro, como se os 573 MW médios pertencessem ao conjunto de consumidor que deixar de fraudar?
Esses kWh seriam repartidos em quotas de, por exemplo, 200 kWh (R$ 220 no caso da Light), com uma condição: instalar o medidor. Durante um período de 18 meses a energia é medida, mas o antigo fraudador só paga o que exceder 200 kWh. Nos 18 meses seguintes pagará o que exceder 150 kWh, e assim sucessivamente.
Além disso, a Light sempre totalizará o consumo. Se for menor que os 573 MW médios do fundo, o saldo reverte em bônus na conta de luz do ano seguinte. E a conta do consumidor honesto também reduzirá, pois o consumo das ASROs será menor que os 400 kWh atuais e a Light comprará menos energia para revenda.
Seria a chance para sair da espiral de desastre. O fundo de kWh corta o elo com a milícia, e consumidor é estimulado a ser eficiente no uso da energia. Esse mecanismo funcionaria por no máximo oito anos, tempo para que fraude na área da Light alcance a média nacional de 14%, numa economia de R$ 1 bilhão ao ano.