O ano em que o presidente Jair Bolsonaro nasceu, 1955, foi um dos anos mais agitados da História da República. E tudo por causa de um oficial militar que infringiu o Regulamento Disciplinar do Exército, o RDE, a Bíblia da instituição. Foi o chamado Caso Mamede.

O coronel Jurandyr de Bizarria Mamede (1906-1998) era considerado um oficial da elite intelectual do Exército. Havia integrado a Força Expedicionária Brasileira enviada à Itália nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial, e na ocasião de que falamos, 1955, servia na Escola Superior de Guerra. Aquele foi um ano eleitoral de muito tensão, o país ainda vivia as emoções do suicídio de Getúlio Vargas no ano anterior. O eleitorado continuava dividido entre os que haviam apoiado o populismo de Getúlio e aqueles que o combateram com discursos, agitações e atitudes golpistas.

Naquele ambiente tensionado, vem a falecer, no dia 31 de outubro, um grande brasileiro, o general Canrobert Pereira da Costa, ex-ministro do Exército (dizia-se na época Ministério da Guerra). Ele teve um sepultamento de estadista no Cemitério de São João Batista, no Rio. E lá esteve o coronel Jurandyr de Bizarria Mamede. Foi um dos oradores. Extrapolou, meteu política no meio. O ministro do Exército, general Teixeira Lott, desaprovou o flagrante desrespeito ao RDE. Mas nem todos os integrantes do Alto Comando do Exército acompanharam o pensamento de seu chefe. E o presidente da República, Café Filho, em conversa informal, também disse que era contrário à punição de Mamede. Enquanto a grave questão era debatida no fórum apropriado – o quartel – Café Filho alega uma doença, passa o governo da República para o presidente da Câmara, Carlos Luz, e se interna num hospital. Carlos Luz, o interino, responde oficialmente ao general Lott que é contrário à punição. Os detetives da História dizem que Luz e Café estavam combinados. Seja verdade ou não, o fato é que a temperatura subiu. Há acusações na Câmara, no Senado, na imprensa, nas ruas, nos quarteis, de conluio entre Café Filho, Carlos Luz, partidos políticos, empresários e alguns generais. O ministro Lott sente-se humilhado, desrespeitado pelo descumprimento do Regimento Disciplinar do Exército.

Final da história: o general Teixeira Lott, com o apoio de generais aliados detentores de comandos de tropas no Rio de Janeiro, força a deposição do presidente interino da República (a Câmara dos Deputados votou o impedimento de Carlos Luz numa velocidade surpreendente) e em seguida os deputados, que de bobos não têm nada, apressaram um segundo impeachment, o do senhor presidente da República Café Filho, que estava quietinho no Hospital dos Servidores do Estado, e lá continuou quedo e mudo.

Bizarria Mamede cumpriu prisão, como previa o RDE.