Diz a tradição que quanto mais queijo mais buracos. Mas cada buraco “ocupa” o lugar onde haveria queijo. Conclusão: quanto mais queijo mais buracos e quanto mais buracos menos queijo. Isto é, quanto mais queijo menos queijo. Este é o paradoxo do queijo suíço.

Há muito valorizo a matemática. Desafia e inspira. A conjectura de Goldbach (todo número inteiro par maior que 2 é obtido pela soma de dois primos) foi proposta em 1742 e até agora não foi comprovada. O português Tomás O. Silva, em 2006, a demostrou para números até 300 mil trilhões.

São admiráveis os feitos de Galileu Galilei. Em dois meses, entre 1609 e 1610, revolucionou o mundo científico. Para ele, os dados obtidos só poderiam ser tomados como descrições da realidade se confirmados matematicamente.

René Descartes, nascido em 1596, criou a geometria analítica e, com seu sistema de coordenadas cartesianas, uniu a álgebra à geometria. A matemática ficou mais poderosa. Quase tudo poderia ser formulado em termos matemáticos. Acelerou novas descobertas.

Sir Isaac Newton nasceu em 1642, ano da morte de Galileu. Embora muitíssimo conhecido pela lei da gravidade, é dele também a formalização das leis básicas da mecânica. Descreveu no detalhe o movimento planetário, solidificou a base teórica de estudos relacionados à luz e cor e foi o fundador da estrutura para o cálculo diferencial e integral.

Por que lembrei desses gênios? Comecei no setor elétrico brasileiro (SEB) em 1975. Impressionavam-me as usinas hidrelétricas (UHEs). Algumas existem há 100 anos. As maiores, construídas a partir dos anos 1950, usam exaustivamente os conceitos deixados por Galileu, Descartes e Newton, além de Arquimedes, matemático dos matemáticos.

As equações de produtividade de uma UHE, bem como a relação entre altura da queda d’água, vazão e potência, vêm das descobertas de Arquimedes e, sobretudo, Newton. Você não imagina o quanto as coordenadas cartesianas são fundamentais para localização do eixo de uma barragem e traçado de uma linha de transmissão.

Mas toda essa genialidade, que ergueu e mantém o SEB por mais de 100 anos, não foi capaz de resolver, tampouco minimizar os efeitos perversos do furto de energia, prejudiciais para os consumidores e para as distribuidoras (Ds), como a Amazonas Energia e a Light, que esgrima com o regulador e encurrala o credor.

Em 1975 não se falava em perdas não técnicas, eufemismo para furto de energia. Em 1995, início das privatizações, o tema já era dos mais relevantes. Nalgumas concessionárias, como Light, na cidade do Rio, Ampla, hoje Enel-Rio, e nas Ds do Amazonas, Maranhão e Pará, por exemplo, o índice médio passava de 25%. Boa parte porque os consumidores sequer tinham medidores.

Esse volume de energia desvalorizava as companhias, compradas por valores mínimos ou perto disso. Reduzir o volume de perdas era essencial para que os investidores recuperassem os recursos que aplicaram nessas empresas.

Mas foram poucos os casos parcialmente bem-sucedidos. A perda por furto, que já não é um problema só da D, é agora até maior que em 2003. As empresas fracassaram. E caducaram os incentivos criados pelo regulador.

É vergonhoso falar do índice de perda por furto. Em 2022 correspondia a 14,5% de toda energia injetada na rede. É mais que o consumo do Paraguai, Uruguai, Bolívia, Equador e Suriname – juntos. É maior que o consumo de toda América Central. Detalhe: é zero o furto de energia em países da OCDE.

Em 2006, a Ampla instalou milhares de medidores em sua área de concessão. Cerca de 50 (0,025%) apresentaram defeito. Mediam a mais. Foi aberta uma Comissão Parlamentar de Inquérito no âmbito da Assembleia do Rio. No fim dos “trabalhos”, foi pedido o indiciamento de servidores do Inmetro e da Aneel, numa evidente tentativa de intimidação.

Coisa semelhante aconteceu em Pernambuco, quando a D estimulou a criação de uma delegacia especializada em furto de energia. Recentemente, no Amazonas, uma lei estadual impediu a concessionária de instalar medidores. Foi preciso um recurso ao STF para afastar a barreira.

A pressão política, na esfera federal e estadual, blinda o fraudador. Das centenas de “jabutis”, bem ou malsucedidos, jamais um deles teve como foco o combate ao furto de energia. Mas foram vários os que visavam impedir o corte da luz do fraudador.

E não há um mísero caso em que um gerador ou transmissor tenha questionado o elevado índice de perda. Eles ganham com o furto. Mais energia é vendida e mais obras são necessárias.

É o paradoxo do queijo suíço. A perda por furto (os buracos) exige mais queijo (mais energia). E mais energia implica mais furto (mais buracos). A espiral do furto de energia.

Só que, ao contrário do queijo, onde ninguém se alimenta dos buracos, as perdas fazem parte do produto final (energia), que fica mais caro, sendo, por isso, um bem que agrega valor. Só o consumidor honesto, que paga pelo fraudador, e a distribuidora local são afetados negativamente pelo furto de eletricidade. O governo fatura com os impostos e o miliciano com a extorsão.

Resultado: a proporção de interessados em elevar o furto é maior que a dos que desejam a redução. Disso deriva, por absurdo, o axioma da perda por furto: o furto de energia, antes de reduzir, aumentará.

Começam a aparecer soluções reais, como o controverso mecanismo da subconcessão. Por ele, a parte boa da concessão permanece com a D atual, e a parte com perdas elevadas fica com o Estado. Resolve o problema da D, mas não o furto de energia.

E não rompe o elo político das perdas, muito menos o dos milicianos. É como se fosse criada uma Bolsa de Interesses no Furto de Energia (BIFE elétrico), nome de batismo do axioma. Com o tempo, o buraco cresce mais que o queijo. E a quantidade de pagantes cresce menos que a dos fraudadores, o que, sem uma tarifa social específica, reforçará a tirania do elo.