Lisboa – A pauta dos costumes brasileiros estacionou no final da fila com relação aos países europeus e de muitos outros do mundo civilizado.No momento,estamos regredindo porque além do capitão Bolsonaro ser o péssimo governante que é,despreza o fato de o Brasil ser um Estado laico, premiando sua base religiosa para atender a interesses eleitoreiros.Ao invés de governar para todos,promove seus valores.Não tem a dignidade, por exemplo,de enfrentar com políticas públicas responsáveis problemas tão sérios como o aborto.
No Brasil, a questão jamais foi tratada sob a ótica da saúde publica , de modo a preservar nossas vidas e segurança.Prevalece uma legislação machista atávica e intimidatória que permite o aborto legal apenas para os casos de estupro,ameaça à vida da gestante e anencefalia do feto.Fora isso, quando decidimos interromper uma gravidez porque não desejamos ter o filho, cometemos crime contra a vida, bem como quem nos ajudou, agravando-se o problema no país,onde o aborto clandestino é a quarta causa de morte materna.
Com apoio da ministra da goiabeira, o capitão delira propondo estratégias que nada resolvem e sabemos não serão cumpridas,como a paternidade responsável,planejamento familiar e atenção às gestante, apenas para esvaziar políticas públicas direcionadas à saúde reprodutiva. Suas iniciativas não visam equacionar o problema,mas preservar iniquidades e o desrespeito pelas nossas vidas.Servem para nos penalizar,inclusive nos casos previstos de aborto lgeal.
O Ministerio da Saúde chegou a editar portarias para obrigar os médicos a exibirem à gestante,antes do procedimento,imagens do feto na ultrassonografia .O objetivo era nos intimidar,fazer-nos sentir culpadas a ponto de desistirmos do aborto.Foram tantas as repercussões negativas que capitão desistiu da maldade.
Mas outras medidas semelhantes foram mantidas,como a obrigação de os médicos informarem à polícia,ainda que o caso seja legal, quando procurados por uma vítima de estupro para interrupção da gravidez.Inexiste empatia e preocupação com nossa vulnerabilidade quando agredidas pela violação dos nossos corpos e almas. Não há suporte ou apoio para recuperção das nossas feridas emocionais causadas pelo estupro.Pelo contrário,somos expostas e humilhadas,quando não morremos.
Graças a esse modelo de governação irresponsável que temos no Brasil, uma menina de 10 anos,violada durante anos pelo padrasto,foi exposta à execração pública de fanáticos ignorantes quanto buscava ajuda médica para interromper uma gestação autorizada pela justiça.Não houve,da parte dos bolsonaristas ,o cuidado de protegê-la da violência da turba,mas o contrário disso.
A insistência de Bolsonaro em alardear sua intenção de nomear para o STF um ministro “terrivelmente evangélico”, pode ter influenciado decisão recente do Tribunal paulista que proibiu que a ONG Católicas pelo Direito de Decidir,favorável à discriminalização do aborto,utilize a referência religiosa em seu nome.Os integrantes dessa corte comportaram-se como o capitão, desrespeitando a laicidade do Estado para intrometerem-se em questões eclesiáticas.Nós mulheres não aceitamos que credos religiosos que não cultivamos interfiram em nossas vidas.
Recentemente, o capitão adotou mais uma estratégia contra o aborto, manifestando-se em favor da defesa da vida “desde a concepção” e dos “ direitos do nascituro”. A nova diretriz bolsonarista atende às suas bases religiosas mas não os interesses das mulheres, que continuaremos a abortar. As mais ricas, em segurança. As mais pobres, sob ameaça de morte nas clínicas clandestinas, reforçando-se as desigualdades existentes no país.
A discriminalização da prática não é suficiente e apenas exclui o aborto da lista de crimes. Precisa vir acompanhada de uma política publica responsável que garanta nossos direitos de gestante,independentemente da nossa religião. Para aumentar ainda mais a polêmica sobre o aborto,o capitão contemplou na portaria a discutível figura do nascituro, cuja definição varia segundo cada crença,visando conferir determinados direitos fundamentais ao embrião,conflitando com nossos interesses de gestante.
Ao contrário do que se alega, a legalização do procedimento não aumentou o número de casos nos países que a adotaram.Ao contrário, houve expressiva redução das taxas de mortalidade materna em todos eles.No Uruguai,por exemplo, a taxa de mortes vinculada ao aborto é a mais baixa da América Latina e do Caribe. E, com isso, houve menos gastos com os serviços públicos de saúde do país.
A penalização do aborto é uma estratégia patriarcal do Estado para legitimar uma maternidade imposta.Nada disso nos impedirá de abortar quando quisermos.Estima-se que entre 500 mil e um milhão de abortos sejam realizados anualmente no Brasil, causando milhares de morte devido às condições clandestinas.A mesma pesquisa indicou que ,até chegar aos 40 anos,uma em cada cinco brasileiras terá provocado pelo menos um aborto, índices que a hipocrisia prefere ocultar.
Não aceitamos que a questão seja tratada sob a ótica de religiões que não praticamos. Nossa saúde é laica.Proibir o direito ao aborto equivale a negar nosso direito à saúde,à vida e à integridade pessoal .Não desejamos discutir se podemos ou não interromper uma gravidez indesejada.Não precisamos de autorização de ninguém para fazê-lo, mas queremos discutir condições dignas para realizar o procedimento.
Temos o direito de decidir sobre nosso corpo, liberdade e futuro.A negação desse direito mutila nossa cidadania.Queremos a segurança de intervenções médicas realizadas por profissionais competentes,em ambientes hospitalares adequados.Este é o real problema que precisa ser resolvido. Fora isso,cabe a nós decidirmos se levaremos ou não uma gravidez adiante.
Não defendemos o aborto como método contraceptivo,mas como a opção que resta quando a prevenção falha e não queremos ter o filho. Exigimos respeito por nossas decisões e direitos sexuais e reprodutivos.Não é perigoso abortar.Perigoso é abortar na clandestinidade.