Improbidade por enriquecimento ilícito após a Lei 14.230/21

O constituinte originário definiu um especial combate à imoralidade em seus níveis mais deletérios. Nesse sentido, o art. 37, parágrafo quarto, da Constituição, qualifica a imoralidade administrativa grave como improbidade administrativa que importará na suspensão dos direitos políticos, na perda da função pública, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao Erário, sem prejuízo das sanções administrativas e penais cabíveis.

A Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, regulamentou o aludido dispositivo constitucional e fixou três conjuntos de atos de improbidade administrativa: a) que importam enriquecimento ilícito; b) que causam prejuízo ao Erário e c) que atentam contra os princípios da Administração Pública.

A hipótese de improbidade por enriquecimento ilícito de agentes públicos merece particular atenção. Nesse caso, identifica-se, por via indireta, condutas indevidas a partir de desproporcional incremento, sem origem lícita, do patrimônio do agente envolvido.

Com a edição da Lei n. 8.429, de 1992, prevaleceu o entendimento de que competia a Administração Pública demonstrar a evolução patrimonial desproporcional do agente durante o exercício da função pública. Comprovado pelo Poder Público a ocorrência de aquisição de bens (em sentido amplo) em patamar superior aos decorrentes dos rendimentos legalmente declarados, constituía-se uma presunção juris tantum (relativa) contra o servidor. Esse, por sua vez, poderia, para afastar a presunção referida, justamente por não ser absoluta, indicar a origem lícita do acréscimo patrimonial.

Formou-se também, sob a égide da Lei n. 8.429, de 1992, em seu formato original, um nítido entendimento no sentido da desnecessidade de comprovação do nexo causal entre o enriquecimento ilícito e o exercício da função pública.

No dia 25 de outubro de 2021 foi publicada a Lei n. 14.230. Esse diploma legal efetivou 192 (cento e noventa e duas) alterações formais na Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Foi modificada até a ementa do diploma legal adotado em 1992.

A nova Lei de Improbidade Administrativa foi aprovada a partir de um amplo acordo parlamentar. Esse inusitado arranjo envolveu o governo Bolsonaro, o Centrão e o Partido dos Trabalhadores (PT).

Deve ser anotado, justamente porque se constitui num importantíssimo elemento caracterizador dos compromissos com o combate à corrupção ou seu enfraquecimento, que o Presidente da República Jair Bolsonaro não vetou nenhum dispositivo do projeto de lei aprovado no Congresso Nacional. Sabe-se, inclusive, que várias propostas de vetos foram encaminhadas ao Chefe do Poder Executivo Federal.

A grande maioria das dezenas de modificações realizadas na Lei de Improbidade Administrativa foi cuidadosamente planejada para dificultar ao máximo a caracterização e punição pela prática de atos de improbidade administrativa. E edição da Lei n. 14.230, de 2021, representou o mais forte golpe, nos últimos anos, no difícil processo de combate à corrupção no Brasil.

A principal mudança realizada pela Lei n. 14.230, de 2021, no regime de aplicação da improbidade administrativa foi, sem sombra de dúvida, a exigência de dolo específico, no lugar do dolo genérico, para caracterização de qualquer das hipóteses infracionais.

O senso comum na conclusão pelo enriquecimento ilícito não mais prevalece. Anteriormente, bastava o raciocínio de que não seria razoável ou factível que alguém enriquecesse ilicitamente sem a intenção de alcançar tal resultado. Atualmente, é preciso demonstrar as condutas, devidamente encadeadas, condutoras do desfecho do acréscimo patrimonial indevido. Não é caso de provar diretamente o ânimo subjetivo (pretensão de enriquecer), mas comprovar de forma segura os atos livres e conscientes voltados inequivocamente para produzir esse resultado específico.

Confira a íntegra do texto, resumido nos parágrafos anteriores, em: http://www.aldemario.adv.br.

Aldemario Araujo Castro é advogado, mestre em Direito e Procurador da Fazenda Nacional.