Votação municipal, como se sabe, é coisa antiga no Brasil. Em 1532 votou-se em São Vicente de acordo com as Ordenações Manuelinas, na terceira edição, a de 1521, que mandou destruir todos os exemplares das anteriores. Claro que, tendo sido impressas ainda nas prensas manuais, os exemplares não chegavam a estes confins da metade portuguesa do mundo — e as regras eram transmitidas de boca em boca, de carta em carta até chegar à vila do Bacharel da Cananeia: em 1526 eram “dez ou doze casas, uma feita de pedra com seus telhados e uma torre para defesa contra os índios em caso de necessidade […] providos de coisas da terra, de galinhas de Espanha e de porcos, com abundância de hortaliças”; mas Martim Afonso de Sousa aí chegara com colonos e foi logo uma profusão de construções e tudo civilizou-se e logo logo votou-se com independência em quem tinha que ser votado: os “homens bons” diziam seis nomes ao pé do ouvido do escrivão e os seis mais votados eram os eleitores, divididos em três duplas pelo juiz da comarca, que formavam três listas cada para os cargos de vereadores, procuradores e juízes, listas que eram rearranjadas para forma três listas anuais, cada uma delas inserida num pelouro — uma bola de cera —, e estes postos num saco guardado numa arca aberta em janeiro de onde um menino de até sete anos escolhia o pelouro com a lista dos nomeados para o ano. Sistema singelo e bom.

Muito tempo depois passamos pelo sistema que João Francisco Lisboa chamou de “a cacete” — bem, parece que em alguns lugares eles não leram o nosso grande historiador e não sabem que cacete não combina com urna eletrônica.

Agora vota-se de acordo com a última mentira — as palavras da língua portuguesa são meio rudes e dolorosas, os candidatos estão livres para usar a língua de Trump, fake news —, com as últimas fake news, com a última calúnia lançada nas redes sociais.

As redes sociais, como se sabe, são neutras, quem quiser usá-las bem, use-as para o bem; outros, maus, usam-nas para o mal. Felizmente aqui no Brasil ninguém está culpando os haitianos de comerem os pets, só acusamos os outros de ladrões e assassinos. Essas acusações são um legado histórico, já o padre António Vieira, pregando diante do rei de Portugal, disse que “os príncipes são companheiros dos ladrões”.

É claro que fomos formando outras tradições. Antigamente o voto de protesto era o voto nulo. Nulificado este, já que é desconsiderado, e não se podendo votar no nome que vier à cabeça, como Cacareco, vota-se no teatro do absurdo, no nome de candidato mais improvável e que representa a negação do sistema, como o pobre palhaço Tiririca que chegou a ter vergonha dos seus colegas.

Mas eleição é também coisa séria. E então temos que pensar que nosso voto tem consequências. Chova ou faça sol, serão eleitos os mais votados, e quem diz quem são os mais votados é a soma dos nossos votos com os votos dos vizinhos. Posta a lista dos candidatos pelos partidos, não no pelouro, mas na urna, somos nós quem apertaremos os botões com os números — afinal, no séc. XXI, o que é um nome senão uma forma arcaica de notação identitária — em que confiamos. Somos nós que temos o peso de escolher bem ou escolher mal.

Assim, no domingo, vamos escolher com consciência. Pensar nas qualidades — e nos defeitos, se houver — de cada um, nos programas de governo, nas propostas de ação, nos compromissos assumidos. Votemos e, se Deus quiser, votemos bem! É o aprendizado da Democracia.