O Brasil tem vivido tempos de retrocesso. A Lei da Ficha Limpa foi enfraquecida e o Pacote Anticrime desfigurado, com a inclusão de regras favoráveis à defesa de acusados. Houve declínios na independência das agências anticorrupção (como o Coaf) e decisões judiciais que comprometeram investigações anticorrupção. Isso sem contar o fim da Lava-Jato, a maior e mais bem sucedida operação de combate à corrupção no Brasil.
Retrocesso que só faz aumentar a desconfiança dos brasileiros de que a Justiça só existe para os desfavorecidos. O Brasil precisa quebrar esse paradigma. É preciso expurgar essas injustiças. E uma delas é o Foro Privilegiado.
Neste 6 de setembro de 2021 completam 1.000 dias que o projeto propondo o fim desse privilégio está engavetado na Câmara dos Deputados. É uma matéria de enorme interesse popular, que está parada desde dezembro de 2018. Considero falta de sensibilidade da Casa Legislativa em não ter votado ainda tão importante proposta.
A PEC 333/2017, de autoria do senador Alvaro Dias (Podemos-PR), propõe que o foro seja extinto no caso de julgamentos por crimes comuns. Além disso, ficaria restrito ao presidente e vice da República e aos presidentes da Câmara, do Senado e do STF (Supremo Tribunal Federal).
Perderiam direito ao Foro Especial por Prerrogativa de Função deputados, senadores, ministros de Estado, governadores, ministros de tribunais superiores, desembargadores, embaixadores, comandantes militares, integrantes de tribunais regionais federais, juízes federais, membros do Ministério Público, procurador-geral da República, membros dos conselhos de Justiça e do MP.
Aprovada pelo Senado, a PEC do Fim do Foro Privilegiado está à espera da presidência da Câmara para entrar na pauta do plenário. A proposta tem dezenas de requerimentos para que seja levada à votação, não só do nosso Podemos como também do PSB, Novo, PSL, PSD, Avante, PSDB, MDB, Solidariedade, Republicanos e Cidadania.
O Foro Privilegiado precisa acabar por três motivos básicos: é injusto, ineficiente e gera descrença na Justiça. É injusto porque trata as pessoas de forma desigual sem justificativa moralmente aceitável. É ineficiente porque torna os poderosos imunes na prática ao direito penal. E gera desconfiança popular de que no Brasil há pessoas especiais que, por se considerarem melhores do que as outras, estão acima da lei e, por isso, são julgadas de maneira diferente.
Esta prática surgiu no Brasil na época do Império, que garantia o foro privilegiado para a família imperial e diversos cargos do Estado. Após proclamada a República em 1889, surge uma nova Constituição (1891), a qual abrangeu ainda mais o foro privilegiado. Ocorre que as Constituições promulgadas na sequência foram elevando o número de pessoas com direito à prerrogativa de foro, inclusive a atual, instituída em 1988, que incluiu extenso rol de autoridades.
O benefício criado lá trás transformou o STF em uma Corte criminal. Por justiça, independentemente de quem é a pessoa, todos deveriam ter foro na primeira instância a partir da competência dos crimes cometidos. Sem privilégios!
Hoje, segundo estudo do feito pela Consultoria Legislativa do Senado, mais de 54 mil autoridades têm direito ao Foro Privilegiado no país, ou seja, não se submetem a um juiz de primeira instância, mas sim a um tribunal.
Levantamento divulgado pelo jornal O Estado de S.Paulo mostra que ações avaliadas pelo STF no período de 1989 a 2016, envolvendo réus com Foro Privilegiado, apenas 3% resultaram em condenação. Na maioria dos casos (58%), as ações foram remetidas a instâncias inferiores por perda de prerrogativa de função do réu antes da conclusão do julgamento. Outros 13% prescreveram e 16% estavam à espera de conclusão. Em 10% dos casos os réus foram absolvidos.
O elevado número de pessoas com privilégio é um entrave ao sistema brasileiro de combate à corrupção e à impunidade, algo que escapa a qualquer sombra de padrão internacional. Isso afeta negativamente a sociedade, que precisa e espera que as pessoas sejam julgadas.
O Foro Privilegiado se transformou em aberração. Instituído para garantir imunidade à atuação parlamentar, passou a englobar também as demais atividades. E transformou-se no guarda-chuva daqueles que cometem ilícitos, que praticam atos de corrupção e permanecem impunes.
Ao manter engavetada a PEC, a Câmara dos Deputados permite que a impunidade continue a rolar solta. Já passou da hora de acabar com essa Justiça diferencial que contradiz a Constituição Federal, que determina que somos todos iguais, sem privilégios.
O fim do Foro Privilegiado é uma das principais bandeiras do nosso Podemos. Seguiremos cobrando para que a PEC 333/2017 seja pautada para votação em plenário.
Acabar com essa blindagem é fundamental no combate à corrupção e à impunidade no Brasil. E na luta pela igualdade de direitos e deveres para todos os brasileiros.