Fontes Renováveis: Planejamento, Operação, Confiabilidade, Regulação

A Transição Energética provocada pelo esforço mundial para redução das emissões causadoras do aquecimento global está promovendo uma enorme modificação no setor elétrico dos países que estão promovendo tal transição.

A mais significativa modificação resulta da introdução de forte participação de fontes de energia variável (ou intermitente) conhecidas pela sigla “VRE”, ou seja, eólica e fotovoltaica. A grande participação dessas novas fontes de energia introduziu fortes mudanças no desempenho do sistema elétrico com reflexos nos investimentos, na operação e na confiabilidade, o que provoca também necessidade de mudanças no planejamento e na regulação do sistema.

Carga: Tradicionalmente o setor elétrico soube estimar a carga a ser suprida para planejar adequadamente a expansão do sistema. Na fase operacional, além desta adequada estimativa da carga, o parque gerador composto por fontes despacháveis (hidroelétricas e termoelétricas) permitia o equilíbrio perfeito entre geração e carga.

Atualmente, e, principalmente com a introdução da geração fotovoltaica, os consumidores de melhor renda passaram a gerar parte de suas necessidades de eletricidade. Isto causa efeito substancial na carga. Por terem geração própria, e caso estejam ligados a rede, os consumidores passaram a ser carga de grande variação, podendo de imediato passar de carga a gerador e/ou vice versa. Além disso, essas fontes fotovoltaicas causam uma enorme rampa de geração no sistema elétrico quando a geração fotovoltaica do consumidor para de gerar. Assim, tais cargas interferem fortemente na operação do sistema e, portanto, devem ter sua conexão ao sistema regulada de forma a que o operado tenha capacidade de controlar tal interferência.

Outro reflexo nas cargas vem do aquecimento global. As modificações do clima impactam tanto nas cargas (climatização de ambientes) como nas fontes (hidrelétricas, eólicas e fotovoltaicas), tornando de muito maior porte a aleatoriedade do consumo e também a capacidade das fontes. Em alguns sistemas, devido principalmente a problemas de confiabilidade, torna-se necessário introduzir participação de controle de demanda com desligamento de cargas pré-definidas. Outro efeito a ser considerado na operação do sistema.

Uma terceira nova fonte de variação de cargas vem de novos tipos de carga como Banco de Dados, que exigem intenso suprimento contínuo 24 horas diariamente, e cargas de mobilidade elétrica como carregamento de automóveis, caminhões, ônibus, cujo carregamento deve concentrar-se durante a noite, horário em que não existe geração solar.

Portanto, tanto o planejamento da expansão quanto o planejamento operativo tende a ser imensamente afetado em sua previsão de demanda, e, os modelos tradicionais não serão adequados exigindo conhecimento adequado e até pesquisas de campo dos tipos e variação das cargas.

Geração: A redução drástica havida no custo de investimento de fontes de energia variável (VRE), ou seja, eólica e fotovoltaica resultou na preferência pelo uso quase exclusivo dessas fontes para expansão do sistema elétrico. Isto no entanto tem resultado em uma série de dificuldades.

O aumento da capacidade solar fotovoltaica e eólica requer integração efetiva de todos os elementos do sistemas de eletricidade. Isto requer um planejamento integrado e determinativo. Enquanto os sistemas elétricos sempre gerenciaram a variabilidade da demanda, a implantação das VRE, introduziu variabilidade instantânea (ou intermitente) de fornecimento dependendo do clima. Essa variabilidade exige aumento da flexibilidade de todo o sistema de energia, adições na rede de transmissão, maior armazenamento e resposta à demanda. Adicionalmente a introdução da geração distribuível trouxe variabilidade de cargas. A integração bem-sucedida requer medidas adicionais para manter a estabilidade do sistema e sua confiabilidade.

Os sistemas em fases iniciais de integração de VREs sofrem impactos relativamente baixos. Porém, à medida que a geração solar fotovoltaica e eólica aumenta, a maioria dos desafios exige melhorias operacionais para aumentar a flexibilidade pelo despacho e maior flexibilidade de serviços de confiabilidade supridos pelas usinas convencionais (hidrelétricas e térmicas).

Para sistemas que integram alto nível de VRE em sua geração anual, onde, frequentemente fontes VRE cobrem boa parte de sua geração por mais de um dia (onde excesso de geração VRE resulta até em curtailment), necessitam de soluções inovadoras em termos de operação, planejamento e novos investimentos. Integrar altas parcelas de VRE requer repensar a maneira tradicional em que os sistemas de energia são operados, planejados e financiados, ou seja, regulados.

Transmissão: A introdução de VREs obriga a instalação da geração em locais usualmente diferentes da localização dos centros de carga. Isto requer investimentos pesados em transmissão, os quais devem ser considerados no planejamento de forma combinada com as opções de geração. A variabilidade das VREs resulta também na necessidade instalação de outras fontes despacháveis ou reserva de energia (usinas reversíveis e/ou baterias) cuja localização usualmente difere daquela das fontes VRE e portanto exigem investimento em transmissão. Portanto, o planejamento deve incluir o conjunto dos diferentes tipos de fontes, com suas localizações, e da transmissão associada, determinando a sequência lógica investimentos de menor custo mas atendendo a critérios de confiabilidade.

Regulação: À medida que a geração renovável se torna uma parcela maior dos recursos da rede, complicações podem surgir com a estrutura de mercado atacadista existente em sistemas desregulados. Fontes de energia renováveis não exigem insumos de combustível para funcionar, pois usam energia do sol, vento e outras fontes naturais. Consequentemente, elas podem oferecer lances de custo zero nos mercados de energia e capacidade. Pior, em determinados momentos o sistema é obrigado a forçar o desligamento de fontes de geração, fazendo o corte de geração, ou chamado “curtailment”. Como essas fontes constituem uma parcela maior da rede, ao longo do tempo, essas ações podem desencorajar o investimento de longo prazo para todos os recursos. Como resultado, os mercados atacadistas precisam se adaptar em sua regulação para acomodar melhor diferentes tipos de geração.

Confiabilidade: Essa plêiade de diferentes tipos de fontes de energia (algumas despacháveis e muitas não), reserva de energia, transmissão, e cargas intensas e variáveis, exige definição adequada de critérios de confiabilidade a serem implantados e seu uso controlado.

Adequada confiabilidade requer que o sistema mantenha operação contínua de suprimento às cargas exigindo: (i) Adequação de Recursos, (ii) Continuidade Operacional, e (iii) Resiliência.

Adequação de Recursos é a capacidade do sistema de energia de fornecer eletricidade suficiente – nos locais certos – para manter as cargas devidamente atendidas, mesmo durante dias de condições climáticas extremas ou momentos em que a carga varia. A adequação dos recursos é normalmente medida pela probabilidade de uma interrupção durante um longo período de tempo

Continuidade Operacional é a capacidade do sistema de equilibrar a oferta e a demanda em tempo real, gerenciando a variabilidade, às restrições de rampa e as cargas flexíveis – inclusive imediatamente após um “evento”, como perda de uma grande usina de energia ou uma falha na linha de transmissão. Um sistema de energia confiável deve manter as cargas devidamente atendidas durante esses eventos inesperados com usinas de energia com capacidade para variar rapidamente a produção e/ou usuários finais que podem reduzir seu consumo de eletricidade.

Um aspecto da continuidade operacional são as reservas operacionais, ou capacidade ociosa disponível que responde ativamente durante um evento para ajudar a equilibrar a energia e manter a frequência estável. Por exemplo, a inércia na rede dá tempo para que os sistemas mecânicos que controlam a maioria das centrais elétricas para que detectem e respondam a uma falha. Os serviços de rede, como a inércia, têm sido tradicionalmente fornecidos por usinas fósseis, nucleares ou hidrelétricas convencionais que usam geradores síncronos giratórios. No entanto, a energia eólica, a energia solar fotovoltaica e as baterias são recursos baseados em inversores, o que significa que dependem de eletrónica de potência, ou inversores, para gerar eletricidade compatível com a rede, portanto, sem inércia.

Resiliência é a capacidade de resistir e reduzir a magnitude e/ou duração de eventos perturbadores, o que inclui a capacidade de antecipar, absorver, adaptar-se e/ou recuperar-se rapidamente de tal evento. Partes da resiliência se sobrepõem à adequação dos recursos e à continuidade operacional. Mas geralmente sua medida resulta de quão bem um sistema se recupera ou a rapidez com que a energia pode ser restaurada após uma interrupção. As novas fontes VRE usualmente não possuem capacidade de “black start” para ajudar na recuperação do sistema.

CONCLUSÃO:

Com a crescente descarbonização (de cargas e tipos de fontes), eletrificação e geração distribuída, acrescidos de eventos climáticos extremos mais frequentes, o sistema de energia elétrica está sofrendo imensas mudanças. Estes fatores têm impacto na forma como a rede é planejada e operada para manter a energia segura e confiável.

Portanto o “novo” sistema elétrico já é , e cada vez será mais, bastante diferente do sistema que estávamos acostumado nas décadas anteriores. Isto exige um novo enfoque para o Planejamento, a programação e a execução dos investimentos e da Operação, definição de novos critérios e instalação de equipamentos e procedimentos para Confiabilidade, e modernização da Regulação do sistema.

Armando Ribeiro de Araújo é Engenheiro Eletricista com Mestrado e Doutorado, foi Diretor de Procurement Policy do Banco Mundial, Secretário Nacional de Energia do Ministério de Infraestrutura, Presidente da Eletronorte, Membro do Conselho de Administração de Itaipu, Furnas, Chesf e Eletronorte