Quando minha família voltou a morar no Rio, vindo de Niterói, virei “rato” do Maracanã, onde, adolescente, ia sozinho de ônibus. Mesmo nos jogos à noite.
Assim foi na quarta-feira 2 de fevereiro de 1958. Torneio Rio-Sao Paulo. Santos 5×3 América. Três gols de Pelé. Três pérolas que ele reembalou em imagináveis ostras que o indefeso Pompeia, o goleiro do América iria buscar no fundo das redes.
Foi a primeira vez que, encantado, vi aquele neguinho, nos seus inconcebíveis 17 anos, fazer de tudo o que quisesse com a bola. Meses depois seria convocado para a Copa da Suécia. A delegação se hospedou no Hotel Paissandú, pertinho da minha casa, na Rua Senador Vergueiro. Todo dia eu ia lá, em sessões explícitas de tietagem. Todos os craques muito solícitos, o menino Pelé o maior deles. Pedi um câmera emprestada a um amigo e tirei fotos. Nunca as vi, pois o dono da câmera sumiu da minha vida, levando consigo as imagens históricas. Recordem-se de que naqueles tempos o rolo de fotos tinha que ser revelado nas boas casas do ramo.
Mais tarde, ao longo da Carreira estive com ele em diversas ocasiões. Os registros fotográficos perderam-se no sumidouro do tempo.
Queria ter sabido preservar aquelas fotos, reverentes troféus de uma imensa devoção por aquele que primeiro vi, menino e Rei, numa noite mágica de março de 1958 no templo do futebol.
Sim, amigos, porque – como disse Nelson Rodrigues – o que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé já levava desde sempre sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos pés.
Na generalidade dos pernas-de-pau, a bola como que, esfera rebelde e incandescente lhes queima e fere as canelas. Com Pelé a bola se lhe oferece submissa, intimidada e servil, chegando-se a seus pés com uma dócil lambida de cadelinha, no dizer do mestre Nelson.