Do ‘novo normal’ ao normal?

Vamos, aos poucos, socialmente, retomando aspectos normais de nossas vidas que ficaram restritos. A pandemia nos tolheu e suspendeu nossa vida cotidiana. Na ausência da vida normal, rumamos, como refúgio e proteção, ao famigerado “novo normal”. Este “novo normal” pandêmico, com distanciamento social, uso de máscaras, home office, aulas on-line e que tais foram limitados à uma pequena parcela dos brasileiros, cerca de 90% foram às ruas trabalhar ou buscar trabalho para sobreviver.
A pandemia, no Brasil, agudizou problemas estruturais já historicamente conhecidos. Desemprego, fome, crianças e jovens estacionados em sua educação, saúde pública altamente demandada e com oferta limitada aos cidadãos, inflação, entre outros, infelizmente, pairam sobre os brasileiros neste momento de arrefecimento do avanço da Covid-19. Um país que, não bastasse os 600 mil mortos por conta do coronavírus, teve, na política, espasmos de extrema polarização e ódio, regadas a fake news, teorias da conspiração, pós-verdades e negacionismos de toda a sorte. Cientificamente, foi a vacina que, progressivamente, nos trouxe alento e esperança, diminuindo a contaminação, internações e o número de mortos. A luta pela vacina foi pela vida, pela economia, pela normalidade. Há, nos dias que correm, notícias alvissareiras em relação não apenas às novas vacinas desenvolvidas, mas, também, a medicamentos promissores para o tratamento da Covid-19; medicamentos ainda caros, no entanto, com custo muitíssimo menor do que uma internação em UTI.
A vida, doravante, ao menos no médio prazo, será, ainda, de consequências do cenário pandêmico, uma vida pós-pandemia. As sociedades e os indivíduos estiveram mais ou menos preparados para lidar com esta situação. Países ricos possuem mais e melhores instrumentos para atravessar um período de incertezas do que os países pobres; houve indivíduos que, organicamente, estavam com saúde fragilizada e superaram o coronavírus sem maiores problemas e houve os que estavam saudáveis e foram vitimados implacavelmente. O cenário pós-pandemia reclama atenção conjugada dos aspectos individuais e coletivos da vida. Individualmente, há que se preocupar com a saúde dos que foram contaminados e dos que não foram, pois estes deixaram de ir ao médico e realizar exames regulares. A saúde mental não poderá ser negligenciada, em todas as faixas etárias, pois os sinais já se apresentam em nossas relações sociais. Socialmente, há que se preparar para projetos e ações conjuntas: governos (em seus vários níveis), sociedade civil organizada, Organizações do Terceiro Setor e a iniciativa privada. Deveremos enfrentar problemas econômicos, defasagem educacional, ações de prevenção e tratamento de doenças, os cuidados com aquilo que já tem sido chamado de “Covid de longa duração”, com sequelas neurológicas, musculares, respiratórias e renais daqueles que ficaram doentes.
Retomar aspectos da vida em sua quase normalidade é um bálsamo. Particularmente, encontrar alunos na sala de aula, tomar um café com meus colegas professores, sentar-se à mesa de um restaurante, entrar numa biblioteca e ler o jornal de domingo na padaria me trouxe um misto de alegria e tristeza; alegria pelo retorno destas felicidades cotidianas e a tristeza de saber que muitos jamais poderão, novamente, realizar tais atividades. No retorno ao trabalho, cheguei receoso se cumprimentaria os colegas com um oi de longe, com um “soquinho” ou com um aperto de mão mais firme. Quando uma colega me viu, depois de quase dois anos longe, chegou e me deu um dos abraços mais apertados que já senti. Neste momento, o receio se dissipou e percebi que o carinho e esperança de um mundo melhor cabem num abraço fraterno.
Rodrigo Augusto Prando é Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutor em Sociologia pela Unesp.