Com licença, estamos chegando na política

A posse da médica paulista Carlota Pereira de Queirós na Câmara dos Deputados, em 1934, dois anos após as mulheres brasileiras conquistarem o direito ao voto, marca o início da participação feminina no parlamento brasileiro. De forma gradual, durante as últimas oito décadas, foram conquistados novos espaços e inseridos nas agendas de políticas públicas temas como a violência contra a mulher, assédio sexual e moral no trabalho, ampliação da representação feminina e a garantia de direitos em favor do empoderamento da mulher.

As mulheres, que só conquistaram o direito ao voto em 1932, são a maioria dos 147,5 milhões de brasileiros aptos a votar: são 77.489.499 eleitoras, que representam 52,53% do eleitorado brasileiro. Entretanto, dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que nas eleições que aconteceram em 2018 no Brasil, a exemplo de eleições anteriores, os homens dominaram a disputa para os cargos majoritários. Ao todo, participaram 475 candidatos e 94 candidatas. Para todos os cargos, a diferença entre os gêneros é semelhante. Concorreram à vaga de presidente da República 11 homens e apenas duas mulheres. Na disputa aos cargos de governador, eles somavam 170 candidatos e elas, 29. Disputaram as 54 cadeiras disponíveis no Senado 294 candidatos contra 63 candidatas.

Na Câmara Federal, com 77 parlamentares exercendo o mandato, a atual bancada feminina é a maior da história da Câmara Federal.

No Senado Federal, onde somente em 1979 uma mulher — Eunice Michiles — ocupou, pela primeira vez, uma das cadeiras, agora há 12 senadoras exercendo seus mandatos.

Apesar da pouca representatividade, no Brasil, as mulheres são 52% do eleitorado. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostram que nas últimas eleições municipais, em 2016, apenas 31,89% dos brasileiros que se candidataram eram mulheres. A primeira vez que as candidaturas femininas alcançaram 30% do total de candidaturas de um pleito no país foi nas eleições de 2012. Ainda em relação a 2016, do total de 5.568 municípios do país, em 1.286 cidades não houve nenhuma mulher eleita para o cargo de vereador. Além disso, apenas em 24 municípios as mulheres representam a maioria dos eleitos para o legislativo municipal.

A representatividade das mulheres brasileiras nos espaços políticos e partidários é pequena. Esse cenário se reflete na insignificante ocupação de cargos públicos nas principais instâncias dos Poderes: no Executivo, Legislativo e Judiciário.

Segundo o Mapa Mulheres na Política 2019, um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) e da União Interparlamentar divulgado em março de 2019, no ranking de representatividade feminina no Parlamento, o Brasil ocupa a posição 134 de 193 países pesquisados, com 15% de participação de mulheres. Já no ranking de representatividade feminina no Governo, o Brasil ocupa apenas a posição 149 em um total de 188 países.

A Constituição de 1988 pode ser considerado um marco em termos de igualdade garantindo às mulheres, de forma expressa, o direito à igualdade e à titularidade da plena cidadania, deflagrando uma maior inserção feminina nos espaços sociais e na vida política da Nação. Do ponto de vista legal, representou a conquista da cidadania para as brasileiras.

Leis nacionais só puderam ser criadas com o esforço e determinação de mulheres que entraram para a história. Uma delas é Maria da Penha Maia Fernandes, a farmacêutica brasileira que lutou para que seu agressor viesse a ser condenado. Maria da Penha tem três filhas e hoje é líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres, vítima emblemática da violência doméstica. A lei leva seu nome e foi sancionada em 7 de agosto de 2006 para proteger a vida das mulheres vítimas de violência doméstica, priorizando seus direitos.

A Organização das Nações Unidas (ONU Mulheres), a entidade das Nações Unidas para a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres, criou o movimento Eles Por Elas (HeForShe). É um esforço global para envolver homens e meninos na remoção das barreiras sociais e culturais que impedem as mulheres de atingir seu potencial, e ajudar homens e mulheres a modelarem juntos uma nova sociedade.

O fomento à participação feminina na política é incentivado hoje, inclusive, pela legislação eleitoral. A chamada cota de gênero está prevista no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei das Eleições (Lei federal nº. 9.504/1997). Segundo o dispositivo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, nas eleições para Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, assembleias legislativas e câmaras municipais. Em conformidade com a previsão legal, a Justiça Eleitoral elegeu o tema como prioridade, tendo promovido diversas ações no sentido de fomentar a participação feminina na política, tais como campanhas, seminários e até encontros internacionais.

Historicamente, em nosso país a relação das mulheres com o Estado dá-se em diversas esferas, tais como: esposas dependentes do marido, mães, viúvas, mulheres sozinhas com chefia de família, trabalhadoras assalariadas, consumidoras.

Apenas estudos mais recentes, datados da década de 1990 em diante, é que colocam a mulher em posição de relevância na cena política em si.

Foi em 1990, com a realização do seminário “Estudos sobre Mulher no Brasil: Avaliação e Perspectivas”, organizado pela Fundação Carlos Chagas, que ocorreu o principal marco na passagem dos estudos de mulher para o estudo de gênero e na reflexão sobre este campo de saber.

Destaca-se que a conquista do sufrágio feminino só aconteceu no Brasil em 1932, com o Código Eleitoral elaborado durante o governo do então presidente Getúlio Vargas. A vitória foi alcançada depois de anos de mobilização de mulheres, que se organizaram na luta pelos seus direitos políticos e pelo respeito à sua cidadania, antes da proclamação da República.

Mas, afinal, quem foram essas mulheres? Muitos desses rostos, registrados nas poucas imagens encontradas nos livros e publicações feitas pela imprensa, foram esquecidos. Perdido no tempo. Outros deixaram suas marcas e significados. Celina Guimarães Vianna foi a primeira eleitora do Brasil, alistando-se aos 29 anos de idade. Com advento da Lei nº 660, de 25 de outubro de 1927, o Rio Grande do Norte foi o primeiro estado que estabeleceu que não haveria distinção de sexo para o exercício do sufrágio. Assim, em 25 de novembro de 1927, na cidade de Mossoró, foi incluído o nome de Celina Guimarães Vianna na lista dos eleitores do Rio Grande do Norte. O fato repercutiu mundialmente, por se tratar não somente da primeira eleitora do Brasil, como da América Latina.

Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública e adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis são algumas das metas globais do Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5 – Igualdade de Gênero.

A ONU Mulheres promove a democracia paritária, um regime democrático justo e inclusivo que permite às mulheres liderar e participar de forma substantiva e igualitária da tomada de decisão, junto com os homens, para contribuir com a agenda pública com perspectiva de gênero.

No Brasil, a ONU Mulheres apoia a participação política de mulheres em todos os espaços de poder, formais e não formais, garantindo a sua diversidade e o fortalecimento dos movimentos de mulheres e feministas: negras, indígenas, ciganas, rurais, jovens. Temos de somar forças para defender nossos direitos e conquistar nosso espaço. Lutar pela igualdade, não apenas entre nós, mulheres, mas entre todos os setores da sociedade. Mas para isso temos de conhecer a nossa história e os caminhos que percorremos até chegar aqui. Através desse conhecimento é que podemos avançar, planejar como podemos fortalecer as politicas públicas e os caminhos jurídicos que podemos recorrer para marcar a nossa presença em todos os segmentos e espaços da sociedade.