Brasil não pode desprezar energia hidrelétrica

Devido a seca verificada neste ano de 2021, temos observado nas diversas mídias opiniões sobre o risco de falta de energia elétrica e da possibilidade de racionamento. Como usual, busca-se uma fonte de culpa e nesse caso tem-se atribuído a responsabilidade ao risco hidrológico e ao uso de hidroeletricidade. Atribuindo-se a grande percentagem de hidroeletricidade na matriz energética do Brasil, a culpa pelo risco enfrentado. Com isso, argumenta-se que a solução para o futuro seria aumentar a participação de fontes renováveis de eólica e solar e, outros, advogam o uso de geração térmica a gás natural.

Inicialmente devemos registrar que a carga de qualquer sistema elétrico é variável, tendo período de baixa carga, media carga e alta carga (ou pico). Assim qualquer fonte de eletricidade deve ter a capacidade de ser FLEXIVEL para poder atender plenamente a carga durante as 24 horas do dia. A mesma variação ocorre durante o ano com demandas diferentes durante o verão e o inverno. Novamente, faz-se necessário fonte de eletricidade com capacidade para atender a carga durante longos períodos, ou seja, ter reservas.

Nas últimas décadas, o Brasil tem enfrentado grandes queimadas na Amazonia, e mais recentemente, também no Pantanal e no Cerrado.  Essas queimadas acabam por afetar o clima das regiões Sudeste e Centro-oeste. O aquecimento global, também tem contribuído para mudança no ciclo de chuvas dessas regiões. Passamos a ter secas mais frequentes e tempestades mais intensas. E, adicionalmente, o uso do solo dessas regiões modificou-se bastante, tendo havido grande desenvolvimento agrícola com a correspondente modificação da vegetação local.

Como resultado de todos esses fatores na última década o registro de chuvas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste mostra em todos os anos valores inferiores à média 1981-2010.

Isto, no entanto, faz parte dos estudos que um planejamento adequado deve incluir e fazer a previsão de reservas de energia adequadas para enfrentar períodos de seca. Infelizmente, nas últimas décadas, o setor não tem construído usinas com reservatório. As mais recentes foram as hidroelétricas dos rios Madeira e Xingu.  Em ambos os rios o governo decidiu construir usinas sem reservatórios.

Enganam-se aqueles que imaginam que se o Brasil deixar de investir em hidroelétricas e fixar-se apenas em outras fontes não teria riscos futuros.  Qualquer sistema de energia elétrica necessita de reservatórios de energia para enfrentar as variações de carga e riscos ambientais.

Na tecnologia atual as únicas formas de ter-se reserva de energia são: reservatórios de água em hidroelétricas (convencionais ou reversíveis); reserva de material biocombustível (madeira, baraço de cana, álcool); reservatórios de combustíveis fosseis (Carvão e petróleo); e reservatório de eletricidade (em baterias). Em desenvolvimento devemos poder ter no futuro hidrogênio.

As fontes eólicas e solar não podem operar isoladamente. Necessitam de outra fonte flexível e não intermitente. E necessitam de reserva de energia para enfrentar o risco climático. Como já disse uma alta personalidade brasileira, não se pode armazenar vento e a luz do sol sempre desaparece a noite.

Por outro lado, a grande maioria dos países está comprometida em atingir níveis de emissão de carbono decrescentes na expectativa de emissões zero em 2050.

Assim, soluções de geração baseada com combustíveis fosseis (como carvão. Petróleo e gás natural) vão no sentido contrário.

Afortunadamente o Brasil possui grande potencial para geração eólica, solar, por biomassa (principalmente cana de açúcar) e hidroelétrica.

A International Energy Agency (IEA) acaba de publicar um relatório sobre Geração Hidroelétrica de titulo Hydropower Special Market Report, junho 2021.

Nesse relatório a IEA indica que “Hidroeletricidade tem uma longa contribuição como fonte de baixo carbono, por vezes esquecida. Por isso hidroeletricidade pode ser identificado como o “gigante esquecido” da energia limpa. Além disso a hidroeletricidade possui escala, flexibilidade – devido a ter unidades geradoras que aumentam ou diminuem sua geração em tempo muito menor que qualquer outra forma de geração – e capacidade de armazenar energia”.

O Brasil tem um histórico respeitável de uso de hidroeletricidade e por muitas décadas planejou, construiu e operou adequadamente o sistema elétrico nacional atendendo a carga de forma continua, adequada e sem restrições. Infelizmente, para atender pleitos de opositores a construção de hidroelétricas, eliminamos os reservatórios das usinas hidroelétricas.

É sabido que o reservatório de hidroelétricas pode trazer alguns problemas, se o projeto, construção e operação não adotarem os cuidados necessários a reduzi-los ao mínimo adequado. Por outro lado, o reservatório traz várias vantagens como, área para fazendas de psicultura, área para lazer e turismo, área para instalação de usinas solares fotovoltaicas.  E, principalmente, reserva de energia necessária para regulação da carga tanto na operação diária, anual bem como plurianual. E, adicionalmente, regularização das vazões do rio diminuindo as secas e as enchentes.

Portanto, o Brasil não pode desprezar a energia hidroelétrica que deve continuar a constar dos planos de futuros investimentos do setor.

Para reforçar a importância da hidroeletricidade, transcrevo abaixo tópicos do relatório da IEA citado:

  • Hidroeletricidade é o mais significativo pilar da geração elétrica de baixo carbono e participa com metade da geração limpa existente no mundo;
  • Países em desenvolvimento e emergentes tem liderado o crescimento da geração hidroelétrica desde 1970, principalmente por projetos governamentais de grande porte;
  • Usinas hidroelétricas contribuem com a maior parte das fontes flexíveis e de garantia da confiabilidade dos sistemas elétricos com fontes eólicas e solar.
  • Aproximadamente metade do potencial hidroelétrico do mundo ainda não está aproveitado. Os países tem a responsabilidade de assegurar que esse potencial seja utilizado de forma sustentável.
  • Para atrair investimentos em hidroelétricas a contratação deve ser de longo prazo para poder assegurar a cadeia de ingressos que permitam o financiamento e o retorno do investimento.
  • A IEA estima que entre 2021 e 2030 entrem em operação 230 GW de hidroelétricas, ou seja, 17% de acréscimo. Essa expansão deve ficar mais concentrada (75%) em países da África e do Sudeste da Asia.
  • Mais da metade das novas hidroelétricas a serem construídas na África, Sudeste da Asia e América Latina serão construídas, ou financiadas (em parte ou totalmente), ou de propriedade de firmas Chinesas.
  • A modernização de antigas usinas hidroelétricas existentes faz-se necessária para manter a confiabilidade e flexibilidade operativa dos sistemas. No entanto, os investimentos programados não são suficientes.
  • A flexibilidade e capacidade de armazenar energia das hidroelétricas (inclusive as reversíveis) não encontram concorrentes entre todas as outras tecnologias para essas mesmas funções (flexibilidade e armazenamento).
  • Novas usinas hidroelétricas podem representar fonte critica, de baixo custo e de alta flexibilidade para sistemas de baixo carbono (como eólica e solar).
Armando Ribeiro de Araujo é carioca, Engenheiro Eletricista formado pela UFRJ com Mestrado pelo Illinois Institute of Technology e Doutorado pela Universidade Federal de Itajubá. Tem 55 anos de experiencia profissional com atuação no Brasil e em vários países. Atualmente é Consultor Individual com Contrato com o Banco Mundial e outras entidades.