No momento em que escrevo estas linhas, Trump conta 72 milhões de votos (cinco milhões a mais do que Harris) e faz maioria na Câmara e no Senado norte-americanos. Na linguagem popular, faz barba, cabelo e bigode, mas não apenas isso, pois viabilizou-me o direito de acompanhar, passo a passo, a mudança da expressão corporal e fisionômica dos repórteres e comentaristas da CNN e da Globo News. Embora assistindo à marcha da apuração pelo canal da Revista Oeste enquanto a noite avançava, de vez em quando ia apreciar o nervosismo tomando conta da militância de estúdio que faz boa parte do – assim dito – jornalismo brasileiro. O recado das urnas proporcionou gradual e fragorosa demolição das expectativas com que o pessoal havia iniciado aquela longa jornada de informação com torcida.

A verdade é que no espaço de meus próprios sentimentos, comecei e terminei a noite com uma sensação ambígua. Impossível negar que a vitória de Trump veio acompanhada de uma certa inquietação. Ainda neste momento, ­ entardecer do dia 6 de novembro, eu me pergunto: “Como é possível que Kamala Harris tenha levado o voto de 48% dos eleitores norte-americanos? Como é possível que mais de sessenta milhões de cidadãos tenham se deixado enrolar nesse discursinho do falso progressismo e do lero-lero woke?”.

Algo muito semelhante, aliás, causou-me, na eleição municipal de Porto Alegre, saber que a candidata do PT, partido que, este sim, experimentou fragorosa derrota nacional na eleição deste ano, recebeu o voto de 40% dos eleitores da capital gaúcha. Como pode?

Praticamente todas as bandeiras que nós, brasileiros, identificamos como sendo “de extrema esquerda”, são importadas dos Estados Unidos sem pagar imposto. Não existe alíquota para lixo ideológico. Então, é de lá que vem essa pretensão de controlar a palavra dos outros, o “lugar de fala”, o que pode e o que não pode ser dito, o que pode e o que não pode ser publicado ou lido e qual a “narrativa” histórica que pode ser ensinada. A extraordinária herança cultural do Ocidente deve ser “desconstruída” para geração de uma sociedade de “flocos de neve” inspirada em ideias de inclusão, acolhimento, aceitação, bondade e justiça. Seus produtos efetivos são as políticas de exclusão, cancelamento, rejeição, ódio, injustiça e cada um no seu quadrado identitário…

Não é isso o que você vê? E provavelmente já percebeu que, levada à sala de aula, a receita acabou com a educação em nosso país, fazendo sumir o futuro de pelo menos duas gerações de brasileiros. O Brasil, hoje, tem uma indústria desatualizada, um setor de serviços empobrecido por carências técnicas e tecnológicas; nossa maior riqueza é a que provém da extração dos recursos que Deus nos proporcionou como dádivas da natureza porque os recursos humanos foram capturados pelo atraso do falso progressismo.

Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.