“Com a desistência do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de concorrer à reeleição, sua vice, Kamala Harris, está praticamente ungida como candidata./Mas Kamala, além de ser a candidata natural, como vice, já desponta nas pesquisas eleitorais empatada com o candidato do Partido Republicano, Donald Trump./Trump agora muito provavelmente vai enfrentar uma mulher preta com ideias moderadas. Nem tanto à esquerda para que possa seduzir os de centro, nem tanto à direita para que possa ser confundida com o trumpismo./E isso era dado como praticamente certo num embate contra Joe Biden. Agora, contra Kamala Harris, o futuro para a trumpismo se torna mais incerto” (fonte: noticias.uol.com.br)
“Uma multidão de milhares, formada principalmente por jovens, voltou a se reunir, neste mesmo 18/7, na Praça da República, em Paris. Agora, ao invés de protestar contra a ultradireita, dirigiam-se à Nova Frente Popular (NFP). A mensagem era clara, mostra uma reportagem do jornal Médiapart: Não vacilem. Formem logo um governo. Executem o programa que os elegeu” (fonte: outraspalavras.net).
“O governo federal irá anunciar nesta segunda-feira (22/7) detalhes do bloqueio e contingenciamento no Orçamento de 2024. Os números serão apresentados no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP) do 3º bimestre. Na última quinta-feira (18/7), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, adiantou que serão congelados R$ 15 bilhões./O número foi definido após uma reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com ministros da equipe econômica, no âmbito da Junta de Execução Orçamentária (JEO). A informação foi adiantada para conter ruídos no mercado financeiro” (fonte: metropoles.com).
Esses três registros recentes, no amplíssimo campo das esquerdas (no plural), possuem um denominador comum. Esses setores políticos mais progressistas não pretendem implementar um programa socioeconômico de natureza verdadeiramente popular. Todos se preparam para administrar as estruturas fundamentais do sistema capitalista-rentista, com algum verniz de preocupação com a justiça social e como alternativas às vertentes de ultradireita que flertam com a barbárie.
O caso dos bloqueios e contingenciamentos brasileiros não poderia ser mais elucidativo. A velha e surrada fórmula da austeridade extrema, agora sob a roupagem do arcabouço fiscal, poupa os juros da dívida pública, mas recai sobre despesas sociais relevantíssimas. Não é de se estranhar, portanto, o explícito apoio do mercado financeiro ao Ministro da Fazenda. “Haddad conta com ‘apoio institucional’ do setor bancário, diz presidente da Febraban./’Nós saímos convencidos desse encontro de que o ministro Fernando Haddad está determinado a buscar o equilíbrio das contas públicas’, afirmou Isaac Sidney após reunião em São Paulo (SP)” (fonte: infomoney.com.br).
O governo Lula 3, repleto de ativistas de esquerda de conveniência, outrora liberais ou adeptos do mais escancarado neoliberalismo, funciona como um competente administrador do sistema socioeconômico produtor de uma das sociedades mais desiguais do planeta. Os principais mecanismos de acumulação de riquezas nas mãos de poucos em detrimentos de milhões são mantidos e aperfeiçoados. Não existem, por exemplo, propostas de modificação substancial: a) da política monetária; b) das renúncias tributárias; c) dos subsídios; d) da administração da dívida pública ou e) da lógica da austeridade fiscal.
Constata-se, nessa linha, no Brasil e em várias partes do mundo, a atuação crescente das “esquerdas oficiais”. São segmentos políticos, no passado profundamente vinculados às lutas populares, que foram devidamente domesticados, até porque conscientemente optaram por esse conveniente caminho. Os esforços de conscientização e organização de importantes segmentos sociais explorados foram substituídos pela ocupação de espaços de poder na máquina estatal.
As “esquerdas domesticadas pelo sistema”: a) abandonaram as mudanças estruturais em favor de reformas mais brandas e incrementais que não ameaçam os grandes interesses estabelecidos; b) buscam humanizar o capitalismo-rentista, perverso e destruidor do meio ambiente sustentável, ao invés de propor alternativas socioeconômicas mais profundas; c) acreditam em mudanças substanciais a partir das instituições políticas tradicionais, notadamente os parlamentos; d) aceitam inúmeros compromissos políticos que enfraquecem ou diluem as propostas populares mais significativas e e) alimentam uma ênfase especial nas justas questões identitárias (como gênero, raça e orientação sexual) com redução dos debates e preocupações em relação a estratégicos problemas socioeconômicos.
Algumas reflexões políticas chegam a considerar a “morte da esquerda”. O economista Luiz Filgueiras afirmou: “O recentíssimo debate sobre a ‘morte da esquerda’, para ter alguma consequência política, necessita deixar claro de que esquerda está se falando. Se a morte se referir a sua fração hegemônica, a socialdemocracia dos países centrais, e a sua reprodução (muito) desidratada nos países periféricos (de capitalismo dependente), esse é um fenômeno que pode ser constatado desde as duas últimas décadas do século passado. Do ponto de vista temporal, primeiramente lá e depois aqui na periferia” (fonte: outraspalavras.net).
O fenômeno da rendição de segmentos políticos aos interesses mais importantes e poderosos do status quo foi identificado por um dos maiores pensadores de todos os tempos em uma perspectiva individual. Nicolau Maquiavel, na sua obra mais conhecida, O Príncipe, fez a seguinte afirmação: “… vendo os grandes não lhes ser possível resistir ao povo, começam a emprestar prestígio a um dentre eles e o fazem príncipe para poderem, sob sua sombra, dar expansão ao seu apetite”.
Portanto, um dos maiores desafios políticos da atualidade é a construção de verdadeiros projetos socioeconômicos de esquerda, marcados pela busca da justiça social em sua máxima intensidade. Para tanto, é preciso reconhecer a necessidade de profundas mudanças no sistema capitalista-rentista. Não há como escapar da formulação de soluções estruturais, muito além do desenvolvimento de políticas públicas limitadas e mecanismos de transferência de renda claramente paliativos. Investir na conscientização, organização e mobilização dos segmentos populares e democráticos, representativos de 99,9% da população, não é uma escolha entre vários caminhos aceitáveis.