Talvez o leitor estranhe que a pobreza tenha sido colocada como predicativo de virtude — e mais ainda que, sendo virtude, exija zelo com o dinheiro.
De fato, a virtude da pobreza — tão mal compreendida, quando não ignorada — torna o homem apto a dar a justa importância ao dinheiro, que consiste, por um lado, em não tratá-lo um fim em si mesmo e, por outro, em não desprezá-lo como algo mau.
Uma pequena anedota, contada por um observador aragonês do século passado, revela como um mendigo — um como tantos que recebem sopa nas ruas — tratava uma colher de estanho como a fonte da sua felicidade: lambia-a, lustrava-a, beijava-a, contemplava-a e guardava-a consigo, a tal ponto de (arrisco dizer) preferir passar fome a sujá-la para, com ela, tomar sopa.
No anverso da moeda, o nada desprezível patrimônio de homens como o Grão-Chanceler da Inglaterra, Thomas More, e o Rei da França, Luís IX, não os impediram de viver desprendidos de seus bens: serviram-se de sua riqueza de forma ordenada, em favor de Deus, de suas famílias e de seus súditos ou subordinados — a tal ponto de serem formalmente canonizados anos após suas mortes.
Assim, tratar a colher, valioso item do patrimônio daquele mendigo, como um fim em si mesma, é coisa que certamente não se deve fazer com os próprios bens, a exemplo de Thomas More e Luís IX.
Por outro lado, também somos levados por essa mesma virtude a reconhecer que, embora não passem de meios, nossos recursos financeiros são finitos, razão pela qual devemos tratá-los com verdadeiro zelo — com o zelo de quem trabalhou duramente para obtê-los e, portanto, com o zelo de quem sabe o quanto custam.
E, como não poderia deixar de ser num país em que a carga tributária pode ser qualquer coisa, menos negligenciável — estima-se que, com a Reforma Tributária, apenas o impacto sobre o consumo será de até 27%, segundo dados do TCU —, esse zelo com o dinheiro passa pelo conhecimento dos direitos que a legislação assegura para que os contribuintes reduzam essa carga tributária.
Aqui, aproveitando a proximidade com o fim do prazo para a entrega da declaração de ajuste anual, gostaria de me concentrar em apenas um desses aspectos: a isenção de IRPF para portadores de doenças graves.
Talvez não seja novidade, para muitos, que os aposentados, pensionistas e militares (reformados ou da reserva) têm direito à isenção de IRPF incidente sobre esses rendimentos, se forem portadores de doenças graves. Essas doenças estão elencadas no art. 7°, inciso XIV, da Lei 7.713/88 e algumas delas são as neoplasias malignas (câncer), cegueira, cardiopatia grave e doença de Parkinson.
O que nem sempre se sabe é o fato de que, mesmo curados da doença, os contribuintes continuam fazendo jus à isenção em certos casos.
Isso é particularmente verdadeiro quando se trata de neoplasia maligna, em que, mesmo constatada a retirada total da lesão e a ausência de recidiva, o paciente precisa continuar monitorando, indefinidamente, a doença — o que implica a necessidade de realização periódica de importantes despesas médicas.
Por essa razão, o Superior Tribunal de Justiça pacificou sua jurisprudência, afirmando que os proventos do contribuinte portador de doença grave prevista em lei são isentos de IRPF — independentemente de recidiva da doença ou da contemporaneidade dos sintomas. Essa jurisprudência, apesar de não ser vinculante, tem sido seguida pelos tribunais de segunda instância do país.
Isso significa não apenas que o contribuinte que preencha esses requisitos deve deixar de pagar IRPF nos exercícios seguintes, mas também que o pagador de impostos tem direito a obter a restituição dos valores recolhidos indevidamente nos últimos sessenta meses, desde o início da doença.
Essa é apenas uma das hipóteses previstas na própria legislação tributária em que o contribuinte pode reduzir de forma significativa a carga tributária que recai sobre seu orçamento pessoal. Há diversas outras.
É papel do contribuinte virtuoso — zeloso e diligente — buscar informações que lhe permitam gerenciar de forma mais inteligente e mais eficiente sua carga tributária. Não apenas para, como os avaros, acumular bens, mas para, como os verdadeiros pobres virtuosos, dispor de mais meios, que lhe permitam realizar de forma mais seus projetos de vida.
E é nosso papel contribuir com informações que o auxiliem nesse sentido.