A dificuldade e o Custo da Transição Energética

Com a preocupação presente do aquecimento da atmosfera acontecendo de forma crescente, a humanidade corre o risco de sua própria sobrevivência caso não adote medidas para eliminar a emissão de gases causadores desse efeito.

É reconhecido que os gases de maior efeito são o gás metano (CH4) e o gás carbônico (CO2).

Desde a Revolução Industrial e a invenção da máquina a vapor, a humanidade tem se valido dos combustíveis fósseis para melhoria da produtividade. Primeiro com o carvão, depois o petróleo e a seguir o gás natural, os combustíveis fósseis permitiram grande desenvolvimento. São combustíveis que existem em grande abundância no mundo, de armazenamento e transporte sem grandes dificuldades. E as pesquisas posteriores demonstraram possuirem outras utilidades na indústria química, além de combustível.

Dois séculos de uso, sendo o último bastante intenso. Difícil abandonar.

Vários problemas ambientais resultam do uso desses combustíveis, tanto na exploração, como no transporte e armazenamento e na sua combustão. Porém, o mundo tem encontrado formas de reduzir e administrar vários desses problemas. As comunidades afetadas pelos mesmos reclamaram e forçaram soluções para administrar esses efeitos.

Porém as emissões de CO2 pareciam invisíveis e sem efeitos. Ledo engano. Além disso, essa energia era barata pois o custo embutido dos efeitos ambientais não eram percebidos. Verifica-se agora, depois de muita negação por parte da indústria petrolífera, que os efeitos são graves e não são locais mas GLOBAIS. Isso traz a primeira dificuldade. Quem gera (ou gerou no passado) os gases afeta a todos e as medidas para eliminação desses gases dependem de todos também. Não adianta um país ou região adotar medidas se os outros continuarem a emitir.

O Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas feito sob os auspícios das Nações Unidas (ONU) identifica as fontes principais de aquecimento global. Uma das principais fontes é a emissão de CO2, principalmente oriundo da queima de combustíveis fósseis. Os setores que mais contribuem para as emissões de CO2 são: transporte, geração de eletricidade, e indústrias.

O portal [Energy Mix – Our World in Data] nos permite preparar a tabela abaixo do consumo de energia global e seus componentes, consumo de energia para geração de eletricidade e para outros usos, como transporte, indústria etc.

Verifica-se que nas últimas duas décadas iniciou-se um esforço para redução no consumo de combustíveis fósseis. Verifica-se também que no consumo global ainda 82,6% do consumo global de energia origina-se de fontes fosseis sendo que na geração de eletricidade, apesar do fenomenal crescimento em investimentos em fontes renováveis, ainda 60,7% restam originários de combustíveis fósseis. Menos encorajadora é a fotografia dos outros setores onde ainda 87.2% do consumo vem de fontes fósseis.

Na área de transporte a única medida que até o momento mostrou-se como solução passível de implantação em larga escala para substituição do uso de combustíveis fóssil é o uso de veículos elétricos. Essa mudança exigirá investimentos na geração limpa de eletricidade em montantes importantes.

Aqui surge a segunda dificuldade.

Embora todos concordem que as medidas para redução de emissões devem ser globais, os interesses não são. Ao mudar de paradigma do uso de petróleo para eletricidade limpa grandes interesses de empresas e de países são afetados. Países com grandes reservas de combustível enfrentam o dilema de deixar sob a terra enormes quantidades de recursos que poderiam produzir riqueza local.

Alguns países desenvolvidos têm mostrado melhora na relação entre crescimento de seu produto bruto e o crescimento de consumo de combustíveis fósseis, porém, não como resultado de redução de consumo de combustíveis, mas sim por cambio de suas indústrias mudando de fabris para tecnológicas. Porém, mais recentemente, o próprio avanço tecnológico surge como grande consumidor de energia para os data centers.

Aqui aparece a terceira dificuldade.

O abandono das fontes de combustíveis fósseis e sua substituição por energia limpa inevitavelmente resultará em aumento da geração de eletricidade e do aumento do custo de energia.

A energia elétrica limpa (sem emissões) origina-se de fontes hidrelétricas, nucleares, solar (fotovoltaica ou concentrada); eólica, bioenergética, ou com captura de emissões.

Dessas, as únicas de menor custo do que as fontes fósseis são a fotovoltaica e eólica. Porém ambas são intermitentes, sem controle de geração e variáveis durante o dia e as estações do ano.  Portanto elas, isoladamente, não podem suprir a totalidade da energia necessária requerendo complementação por outras fontes, reservatórios de energia e aumento substancial na rede de transmissão. Vários estudos confirmam numericamente as conclusões que o custo da eletricidade de fontes limpas será mais elevado, como já havíamos antecipado em nosso artigo [https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:7247631639336415233/] “Custo e Confiabilidade do Futuro Suprimento de Eletricidade”.

A quarta dificuldade se refere a necessidade de mineração dos componentes dessas novas fontes de energia. Em especial o grande volume de silício, cobre, lítio, manganês, terras raras, cobalto necessários para produção de painéis fotovoltaicos, unidades eólicas, veículos elétricos e baterias. Associado a esses minerais vem o dilema da reciclagem e depósito final dos rejeitos dessas instalações ao final de suas vidas úteis, que, por sinal, são bem mais curtas do que as das fontes tradicionais de energia.

Finalmente temos a maior dificuldade, que na verdade é um desafio: Eficiência Energética.

Quando uma família encontra dificuldades de recursos (seja financeiro ou de outra natureza) usualmente decide fazer uso mais racional ou até economia daquele recurso. O mesmo fazem as corporações.

O mundo parece atuar diferente. Ao invés de fazer uso mais racional e/ou reduzir o consumo de energia mudando hábitos, modos de transporte, tipos de habitação, estrutura urbana, redução de consumo, decide buscar substitutos para continuar a vida na mesma forma.

Mesmo que sejamos bem sucedidos na tarefa de resolver todas as dificuldades aqui levantadas anteriormente e sermos bem sucedidos na substituição de energia fóssil por energia limpa, não estaremos simplesmente adiando o resultado desastroso ao invés de modificá-lo?

Conclusão:

A humanidade usufruiu por muitas décadas o uso de combustíveis fósseis sem levar em consideração os efeitos das emissões resultantes desse uso. Finalmente, parece haver consenso que o aquecimento global resultante pode causar uma “pandemia climática” afetando todo o globo e colocando em risco a própria existência de seres vivos.

Portanto, uma Transição Energética torna-se imprescindível. Existem várias dificuldades para implantar tal transição. Embora no longo prazo isto seja benéfico para todos, no curto prazo alguns podem ter ganhos e outros perdas. Assim, a decisão será política e portanto faz-se necessário que a sociedade esteja engajada para tal.

Além das medidas em curso para substituição dos combustíveis fósseis, faz-se necessário repensar e adotar medidas de verdadeira Eficiência Energética. Real, abrangente, efetiva que resulte em redução concreta do consumo específico por indivíduo, sem perdas desnecessárias e desperdícios.

Repetir o passado e atuar apenas na substituição de fontes de energia poderá simplesmente postergar o epílogo dessa história sem modificar seu resultado final.

Armando Ribeiro de Araujo é Engenheiro Eletricista com Mestrado e Doutorado, foi Diretor de Procurement Policy do Banco Mundial, Secretário Nacional de Energia do Ministério de Infraestrutura, Presidente da Eletronorte, Membro do Conselho de Administração de Itaipu, Furnas, Chesf e Eletronorte