“Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; ao contrário, sentindo coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si mesmos, segundo os seus próprios desejos. Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos” (2 Timóteo 4.3.4).
As sociedades ocidentais paradigmas que foram da organização e do funcionamento econômico, social, político, jurídico, científico e tecnológico, para todo planeta nos últimos dois séculos, estão deixando de ser a inspiração maior da caminhada histórica, rumo a um futuro mais justo, seguro e feliz para a humanidade. As várias propostas de ação para que o Ocidente retorne a sua posição protagonista, que são oferecidas aos povos, não conseguem unir as pessoas em torno das metas a serem alcançadas, nem dos métodos de ação preconizados para a conquista dos objetivos pretendidos.
Sem união em torno de crença que transcenda às pessoas, tudo o que se construiu como alicerces que sustentam as sociedades ocidentais e a modernidade, começam a desmoronar: a família, os sistemas educacionais e jurídicos, a democracia, a liberdade, a solidariedade e o respeito ao meio ambiente.
Acrescidos a esses acontecimentos, percebe-se que o mundo globalizado está transferindo para o Oriente seus centros de decisão na economia, no desenvolvimento científico e tecnológico e nas experimentações de organização política das sociedades. O Ocidente, que resiste sem sucesso a este paulatino movimento histórico, perde a capacidade de iniciativa, tornando-se, pouco a pouco, seguidor dos ritmos e ditames orientais, não mais liderando o processo histórico. Isso não é um mal em si, haja vista a tendencia irreprimível da globalização, que conduzirá, em alguns anos, a existência de um só governo e de um só país, a Terra.
O Oriente mostrou excelência na resistência e na libertação do imperialismo colonialista, na sobrevivência frugal de suas naturalmente disciplinadas populações, na rápida absorção dos saberes exitosos do Ocidente, na persistência do aprimoramento do sistema educacional e das formas de organização do trabalho, no aprendizado e na utilização dos novos processos tecnológicos.
No entanto, prevalece, na organização e no funcionamento das sociedades Ocidentais e Orientais, com cada vez maior força, o deboche para com os valores morais do passado, o individualismo e a ganância pela riqueza, pelo poder político e econômico.
A decadência do cotidiano das populações ocidentais acelera-se com o abandono das práticas religiosas, dos fieis das Igrejas Cristãs Históricas, local privilegiado que foram, na elaboração do pensamento ético que orientou a consolidação da maneira de pensar e de ser dos povos do Ocidente. O individualismo, o deboche dos valores morais do passado, avolumam-se, tornando-se a nova forma de viver. A ausência de um pensamento crítico, por falta de referências educacionais e morais, impede a renovação política, que poderia permitir a reconstrução da vida coletiva em patamares crescentes de solidariedade, democracia, justiça e paz.
A humanidade corre o risco de não sobreviver ao caos que ela mesma engendrou. Os pobres, os marginalizados das benesses do atual extraordinário progresso, não ficarão eternamente submissos às classes sociais ricas, dirigentes deste “novo mundo”. Basta surgirem lideranças articuladas, com alguma mensagem de redistribuição da riqueza gerada e maiores oportunidades de participação nas decisões dos poderes político e econômico, para que bilhões de excluídos confrontem a injusta ordem estabelecida, imaginando que, com o caos e a destruição gerados, estarão criando uma nova ordem socio-político-econômica mais justa.
O emprego, (cada vez mais ameaçado pelo vertiginoso desenvolvimento da informática e da “inteligência artificial”), a injusta distribuição da renda gerada, a recuperação do meio ambiente e a erradicação da miséria, só prosperarão num novo ambiente social e político, solidário e austero no consumo e uso do meio ambiente. As exigências de investimentos públicos e de efetividade do Estado Democrático de Direito deverão tornar-se cada vez maiores, de tal forma que se garanta um mínimo de respeito e atendimento às necessidades mínimas das pessoas, basicamente pelo provimento das suas necessidades básicas, (alimentação, saúde, moradia, transporte, segurança, emprego e educação), bem como a efetividade no respeito às Leis, como manifestação concreta da Democracia e da Liberdade.
O atual ambiente socio político começa a perceber estas reinvindicações, cada vez mais contundentes e frequentes, dos excluídos de todo o planeta. A percepção da injustiça, na participação nos benefícios da renda gerada, manifesta-se pela observação e comparação, principalmente pela televisão que permite a visualização dos inaceitáveis contrastes no acesso aos bens e serviços oferecidos. As exigências iniciam-se com a efetivação de políticas públicas adequadas à promoção do Bem Comum, razão de ser do Estado. O forte desejo deste novo modo de organizar e fazer funcionar as sociedades, já é percebida pelo sistema político vigente que reage, atendendo algumas poucas reivindicações e unindo suas várias correntes, promovendo propostas autoritárias de governo, como forma de preservar seu poder político e econômico, (o que é denominado, numa definição ampla, de “direita política”).
O atendimento das necessidades básicas das pessoas, exigências que começam a ganhar força em todo o planeta, bem como maior participação nas decisões políticas e econômicas, o respeito às Leis, a Democracia representativa mais autentica, com a eleição de honestos e competentes candidatos. São objetivos permanentes que já começaram a ganhar audiência em todo o mundo e que poderão vir a unir os povos, num amplo movimento popular que provavelmente ocorrerá, não por incentivo de novas teorias politicas revolucionárias, mas pela necessidade e pelo direito de sobreviver com um mínimo de dignidade. Este movimento de rebeldia construtiva será, inevitavelmente, vitorioso, (denominado, também de forma ampla, como a “esquerda democrática”).
Provavelmente será assim que o processo histórico se desenvolverá ou teremos a possibilidade de gerar o caos destruidor.
Isto não é uma proposição catastrófica e ingênua: é a realidade, sempre deixada de lado nas análises que oferecem aos povos. A grave crise que estamos a viver, em todo o mundo, exige coragem, clareza e honestidade no diagnóstico da situação.
Um difícil e longo trabalho de reconstrução nos aguarda. O que foi edificado sobre valores morais não tem como sobreviver apoiado no individualismo e na ganancia.
É preciso recuperar a crença nos valores morais conferindo, assim, alta densidade ética no dia a dia das sociedades. Sem tal ambiente de convívio humano muito pouco poderá ser feito, para a promoção do Bem Comum. Com a palavra os sistemas educacionais, as Universidades, os intelectuais, as Igrejas Cristãs Históricas, as Religiões Orientais tradicionais, e os partidos políticos decentes.
Eurico de Andrade Neves Borba, 83 anos, ex professor da PUC RIO, ex Presidente do IBGE, é do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, mora em Ana Rech, Caxias do Sul, eanbrs@uol.com.br